quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A TENDA DA HOSPITALIDADE

A 15 de Junho de 1843, na Quinta do Bosque – Amadora, perto de Lisboa, nasce, de família nobre, Libânia do Carmo Galvão Mexia de Moura Telles e Albuquerque. Na adolescência, experimenta as durezas da orfandade. Após cinco anos no Internato da Ajuda, é acolhida no Palácio dos Marqueses de Valada, onde continua a preparação para o seu meio social – a nobreza. Mas Libânia, apesar de ser tratada como filha, sente em si uma força íntima que a impele ao Mais, a um ideal maior. O seu viver é desafiado pelo clamor dos sem nada e sem ninguém.

Quer dedicar-se totalmente ao serviço dos mais necessitados e, por isso, procura a Vida Religiosa para atingir este seu objectivo. Entra no Recolhimento de S. Patrício e toma o hábito de Religiosa, recebendo o nome de Ir. Maria Clara do Menino Jesus.

Em Calais – França, faz o seu Noviciado e professa no dia 14 de Abril de 1871, regressando a Portugal. Em cerimónia solene, presidida pelo Padre Raimundo dos Anjos Beirão (co-fundador da Congregação), que sempre a apoiou e orientou, assume o cargo de Superiora de todas as companheiras que com ela se haviam consagrado. Nasce, assim, no dia 3 de Maio de 1871, aquela que viria a chamar-se oficialmente a Congregação das Irmãs Hospitaleiras dos Pobres pelo Amor de Deus, depois Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas e, hoje, Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição.

À medida que a Congregação ia crescendo e expandindo (por todo o território nacional, até Angola, Goa, Guiné e Cabo Verde), o coração da Mãe Clara (assim tratada carinhosamente pelos pobres) dilatava-se, norteado somente pela caridade, animado pelo conselhos que frequentemente repetia: “Trabalhemos com amor e por amor”; “Onde houver o bem a fazer que se faça!”

Parte para junto de Deus no dia 1 de Dezembro de 1899 deixando o rasto de uma vida feita oração, bondade, humildade, entrega, presença de amor e confiança, de ajuda e esperança, de indulgência e conforto.

A Mãe Clara, seguindo o exemplo do Mestre, ergue, neste mundo, a Tenda da Hospitalidade, mostrando ao mundo o rosto terno e misericordioso do Deus-Amor. Jesus, Verbo do Pai, fez-se um de nós, sofrendo as dores da história humana, dando a Sua vida na cruz, “que representa que o próprio Deus é sofredor, que Ele nos ama” (Bento XVI). Mãe Clara ateou a chama da Hospitalidade, rasgando brumas de incerteza e abrindo caminhos novos. Os tempos que vivemos carecem de luminosidade que fascine. “Iluminar e Aquecer” (Lucere et Fovere) ergue-se como bandeira, é o programa vivo, é a urgente Missão de quem quiser fazer da vida uma sementeira de Bem.

A Congregação das Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição tem uma forte ligação com a nossa cidade de Braga, mais concretamente com o Santuário de Nossa Senhora do Sameiro. Neste Santuário, honra-se a Imaculada Conceição, Maria, a Hospedeira do Verbo, aquela que se entregou ao Amor, aquela que fez graça, isto é, deu ao mundo o rosto da ternura do nosso Deus. A Mãe Clara quis que a Congregação fosse consagrada a Nossa Senhora do Sameiro, mas não chegou a ver realizado este sonho, mas viria a falecer quase inesperadamente. Mas as Irmãs cumpriram o desejo da sua fundadora, e, em 1901, vieram ao Monte do Sameiro consagrarem as suas vidas e os seus trabalhos hospitaleiros à Senhora do Sameiro.

Interessante esta ligação da Congregação das Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição com o Santuário do Sameiro! Por isso, em ano da Beatificação da Mãe Clara e no início de um Ciclo Inaugural de Concertos do novo órgão da Basílica, a Confraria do Sameiro convidou a Ir. Maria Amélia Costa, Franciscana Hospitaleira da Imaculada Conceição, para vir ao Sameiro apresentar o musical mariano “Cantar Maria e como Ela ser feliz!” Será no próximo dia 20 de Fevereiro, Domingo, às 15.15 horas, na Basílica do Sameiro. Às 16.30 horas haverá Eucaristia, presidida pelo Cónego José Paulo Abreu, Presidente da Confraria do Sameiro.

Vamos comparecer e, através da Mãe Clara, olharmos para Maria, rosto terno de Deus, ganhando energias para erguermos nesta História, que é a nossa, a Tenda da Hospitalidade!


Arnaldo Vareiro

sábado, 29 de janeiro de 2011

LOURDES E O SAMEIRO

Na sua Bula “Ineffabilis Deus”, de 1854, Pio IX “declarava, pronunciava e definia” que a Mãe de Deus foi Imaculada na Sua Conceição e que assim o declarava e definia “para honra da Santíssima Trindade, para decoro e ornamento da Bem-aventurada Virgem Maria, para exaltação da fé católica e aumento da religião cristã”.

Quatro anos depois, em Lourdes, Nossa Senhora veio sensivelmente confirmar o oráculo de Pio IX: “Eu sou a Imaculada Conceição”. Em 1861, nasce o sonho do P. Martinho Pereira da Silva: construir um monumento dedicado à Imaculada Conceição da Virgem Maria, perpetuando a definição dogmática. Depois de inúmeros esforços, nasce o Sameiro, intérprete de Portugal, que é terra da Senhora da Conceição, dando prova inequívoca de devoção à sua Imaculada Rainha. Lourdes, em França, tornou-se o centro de convergência das atenções de todo o mundo; em direcção a Lourdes se encaminham as multidões em busca da saúde do corpo e do espírito. Em Portugal, o Sameiro acolhe centenas de peregrinos que buscam a paz e a serenidade do espírito e a saúde do corpo.

Em 11 de Fevereiro, celebra-se a memória litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes e o Dia Mundial do Doente. Por isso, este dia reveste-se também de particular importância para todos os devotos da Virgem Imaculada do Sameiro.

Em 1958, foi celebrado o centenário de Lourdes no Sameiro. Foi um acontecimento celebrado com especial solenidade, tendo como principal convidado de honra da Confraria do Sameiro de então o Senhor Bispo de Tarbes e Lourdes, Mons. Pierre-Marie Théas. Para fazer memória deste acontecimento, foi publicado um livro intitulado “Lourdes no Sameiro”, que contém todos os discursos proferidos pelos ilustres convidados nas sessões comemorativas. Partilho com os leitores a alocução que fez Sua Excelência Reverendíssima o Senhor Núncio Apostólico D. Fernando Centro, na Missa Campal celebrada no Sameiro a 1 de Junho de 1958, por ocasião do encerramento das Comemorações das Aparições de Lourdes.


“Bendita seja a gloriosa cidade de Braga, que tão merecidamente foi chamada a Roma de Portugal!

Bendita seja, pelos históricos triunfos eucarísticos e marianos que nela se celebraram!

Bendita seja, pelos monumentos imponentes que levantou, para exaltar Cristo Nosso Senhor, sua Mãe Santíssima e seu Vigário na Terra, o Sumo Pontífice!

Não duvido, este hino, que aos lábios me sobe do fundo da alma, tem ressonância nos aqui presentes, embora nem todos sejam bracarenses, pois se basia numa realidade histórica indiscutível.

Pela terceira vez me cabe presenciar, nesta urbe insigne, festas memoráveis.

Foi a primeira quando, no Ano Mariano de 1954, aqui se reuniu o grandioso II Congresso Mariano Nacional.

Voltei a ela em 1957, por motivo do igualmente magnífico Congrsso do Apostolado da Oração.

E assim como outro Núncio Apostólico, meu predecessor, numa solene ocasião, coroou a formosíssima imagem da Padroeira, que sorri do altar-mor desta Basílica, eis-me aqui novamente, convidado pelo venerando e venerado Arcebispo Primaz, para festejar convosco o centenário das Aparições de Lourdes.

Ah, Lourdes! É um nome que faz vibrar as fibras mais íntimas das almas de todos os cristãos, no mundo inteiro.

Lourdes é a capital do milagre; é, dir-se-ia, um pedaço de céu na terra; é o Tabor do sofrimento transfigurado; é a clínica prodigiosa para todas as doenças do corpo e da alma; é a casa da Mãe celeste, em que todos os seus filhos – não importa se de raça, de língua, de condições diferentes – se sentem irmãos.

Bem-aventurados os que nesta jubilosa puderam peregrinar até Lourdes, para ali passarem horas de verdadeira felicidade!

Se nem a todos, porém, se concederá esse privilégio, dizei-me qual a nação, qual a cidade, qual a vila, qual a freguesia, qual a aldeia onde não se deseje, em plena sintonia espiritual, comemorar, pela melhor forma, este centenário?

Deu, por isso, o sinal o Augusto Vigário de Cristo, com a Encíclica de 2 de Julho do ano passado, que, evocando as aparições da Imaculada a Bernardette, incitava o mundo católico a prostrar-se aos seus pés, para lograr a restauração cristã da sociedade; e que, com a Constituição Apostólica do dia primeiro de Novembro seguinte, se dignou conceder a indulgência do Jubileu aos peregrinos que visitassem aquele Santuário.

Podia Portugal, podia particularmente Braga não corresponder com fervor entusiástico ao empolgante apelo do Chefe da Igreja?

Pois bem, poucos lugares da Terra de Santa Maria se poderiam indicar, tão a propósito, para esta manifestação religiosa, como o Santuário do Sameiro.

Efectivamente, é preciso lembrar que a Aparição da gruta de Massabielle, acontecida quatro anos depois da definição dogmática da Conceição Imaculada de Maria, foi, se se me permite a expressão como que o seu selo divino, a sua celestial sanção e confirmação.

Não respondeu Ela à feliz donzela que lhe perguntou o seu nome: “Eu sou a Imaculada Conceição?”

Ora bem, se com esse dogma está intimamente e indissoluvelmente ligado o Santuário de Lourdes, não é verdade que, no Santuário do Sameiro, o piedoso povo português se sente como que em Lourdes?

Sameiro... Sameiro... Maravilha de beleza natural, soberbo conjunto de edifícios sagrados, obra-prima com que, por iniciativa de um humilde sacerdote, o saudoso Padre Martinho, secundado pela devoção e generosidade de toda uma nação, quis Bracara Augusta demostrar a sua alegria irreprimível, por se ter oficialmente reconhecido a Maria a imunidade do pecado original.

Creio poder afirmar, sem exagero, que, a cinquenta anos daquela proclamação dogmática, não se ergueu talvez no mundo católico padrão semelhante em honra da Imaculada.

Transborde, hoje, portanto, todo o nosso júbilo, ressoem os nossos cânticos, cheguem ao trono de Maria as nossas ardentes orações.

Que poderá negar-nos, este ano, essa benditíssima Mãe?

E a Ela, que poderá negar-lhe o seu Filho Divino?

Oh! São tantas as nossas necessidades pessoais, tantas as necessidades da Igreja, tantas as necessidades da humanidade!

Para as enumerarmos todas, teríamos de nos servir de larga ladainha.

Pois bem, livre, cada um de vós, de expor-lhe essa ladainha, deixai que eu me faça eco, neste momento, dos desejos do Santo Padre, como seu Representante que sou, assinalando-vos as cincos especiais graças a pedir por intercessão de Maria, segundo ele próprio recomendou, na já citada Constituição Apostólica de 1957.

Seja a primeira o regresso, ao redil da Santa Igreja, dos que se afastaram da verdade.

Pobres errantes, que, longe de Cristo, andam às cegas nas sombras da morte!

Como poderíamos, gozando as doçuras inefáveis da fé, não experimentar profunda compaixão pelos que a perderam?

Virgem Maria, iluminai-os.

Stella matutina, ora pro nobis!

Seja a segunda a conversão dos pecadores. Não vos sentis – dizei-me – consternados, ao encontrardes tantos infelizes, que, escravizados por tirânicas paixões, tombaram no abismo do mal?

Estarão, talvez, aqui mesmo alguns desses desventurados?

Oh! Que Maria rompa as suas cadeias e os faça cair, como filhos pródigos, nos braços do Pai que está no Céu.

Refugium peccatorum, ora pro nobis!

Seja a terceira o progresso das almas justas até à santidade.

Grande graça é esta. O mundo, como um nenhuma outra época, mais do que de génios, precisa hoje de santos.

Todos somos chamados à santidade: esta vocação coincide com a nossa vocação de cristãos. Pois bem, não nos contentemos com a mediocridade e a rotina, mas aspiremos às alturas.

Haja santos prelados, santos sacerdotes, santos religiosos, santos pais de família, santos operários, santos homens públicos, santos jovens, por intercessão da Imaculada, modelo de toda a santidade.

Regina Sanctorum omnium, ora pro nobis!

Seja a quarta graça, que lhe pediremos, a paz, a suspiradíssima paz entre os povos.

Muitos, entre nós, recordam as duas guerras mundiais, que ensoparam a terra de tantas lágrimas e de tanto sangue. Além disso, à parte a guerra fria que se prolonga há um decénio, estamos em contínuo sobressalto, sob a ameaça de uma guerra atómica, mais catastrófica, cujas consequências poderão ir até à extinção da raça humana.

Basta de ódios, basta de rancores, basta de vinganças.

Que reinem entre os homens, a concórdia e o amor!

Regina pacis, ora pro nobis!

Finalmente, mais uma graça ainda temos que implorar a Maria, isto é, a liberdade da Igreja, para que possa cumprir, sem provações, a missão salvadora que Cristo lhe confiou.

Aqui a minha alma sente-se constrangida pela dor mais aguda, perante a desapiedada luta, que se trava contra a Esposa de Cristo.

Em quantas nações ela está como que manietada! Quantos ministros de Deus, cardeais, bispos, sacerdotes, religiosos, fiéis católicos, encerrados em cárceres pavorosos, ou privados, pelo menos, dos seus mais sacrossantos direitos!

Todas as armas, todas as artes, todas as insídias, se empregam, desde a lisonja até ao terror, para fazer renegar a doutrina de Cristo.

Muitos mártires se fizeram já; agora, porém, a táctica dos inimigos tem tomado outro rumo, procurando conseguir apóstatas.

Trágica situação, que nos enche de profundo pesar...

Porém, não vacilemos, não duvidemos, não desesperemos.

Assiste-nos Aquela que esmagou a cabeça da serpente infernal, Aquela a quem dirige a mesma Igreja este louvor – Tu só, debelaste todas as heresias.

E Ela debelará ainda esta, que é a heresia das heresias, a aberração das aberrações.

Supliquemos-lhe, sim, que defenda, que ampare, que salve a Santa Igreja.

Auxilium christianorum, ora pro nobis!

Oh, Maria! Oh, Maria! Depois do Todo-Poderoso, é apenas em Ti que está colocada a nossa esperança.

Rainha do Céu e da Terra, Mãe amorosíssima, piedade das nossas desventuras, das nossas atribulações, das nossas angústias.

Unidos ao Pastor Supremo da Igreja, Vos imploramos que, no ano centenário de uma das Vossas maiores misericórdias para connosco, degredados neste vale de lágrimas, depois de tantas tempestades, volte finalmente a brilhar o arco-íris da reconciliação da humanidade com Deus e dos homens entre si.

“Ó branca Visão do Paraíso, - Vos diremos com as mesmas palavras do Santo Padre – expulsai dos espíritos as trevas do erro com a luz da Fé! Ó mística Rosa, aliviai as almas abatidas com o perfume celeste da Esperança! Ó Fonte inesgotável de água salutar, reanimai os corações áridos com o orvalho da Caridade divina!

Fazei com que todos nós que somos Vossos filhos, reconfortados por Vós em nossas penas, protegidos nos perigos, sustentados nas lutas, amemos e sirvamos Vosso doce Jesus, de tal sorte que mereçamos as alegrias eternas, junto do Vosso trono no Céu. Assim seja!”

Arnaldo Vareiro

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Regressar à Palavra


Setembro é o mês dos regressos! É o regresso à escola, ao emprego, à azáfama do dia-a-dia… Também para a Igreja, Setembro é o mês do regresso; retomam-se e programam-se as actividades pastorais. As comunidades paroquiais parece que retomam a energia e a vida.

A nossa Igreja Arquidiocesana, portanto, todos nós, retoma o seu plano pastoral dedicado à Palavra de Deus e convida-nos a Viver da Palavra. Importa que o acolher se oriente para o viver. Para acolher a Palavra de Deus, precisamos de entrar nesse grandioso mundo que é a Bíblia para ler, acolher, meditar, rezar e viver a Palavra. Infelizmente, a Igreja, ao longo de tantos anos, como que se esqueceu da Palavra. Felizmente que, agora, quer regressar ao fundamento da fé cristã, à fonte de toda a Tradição e Doutrina. Somos convidados a regressar à Palavra!

Para termos sucesso neste regresso à Palavra, o Concílio Vaticano II colocou a 18 de Novembro de 1965 um precioso documento introdutório para a leitura e escuta orante da Palavra de Deus, a Constituição Dogmática Dei Verbum. Muitos de nós já possuem a Bíblia, mas também seria importante adquirirmos este documento, que é pórtico da Bíblia. Ao longo deste ano pastoral, irei partilhar convosco algumas pistas de leitura da Constituição, esperando assim poder contribuir para um melhor acolhimento e vivência da Palavra de Deus.

Lê-se no número 12 da Dei Verbum: “Deus falou na Sagrada Escritura por meio de homens e de maneira humana”. A história da Bíblia é história da Palavra de Deus aos homens. Os Antigo e Novo Testamentos descrevem-nos o itinerário da Palavra de Deus, a qual: cria o mundo (Gn 1), chama Abraão (Gn 12, 1ss), é dirigida aos profetas de Israel (Os 1, 1; Jr 1, 2); assume o rosto de homem em Jesus de Nazaré (Jo 1, 1-14), “difunde-se, cresce e afirma-se com força” com a dilatação da Igreja Apostólica (Act 6, 7; 12, 24; 19, 20), regula o fim do universo e o início do novo mundo (Ap 19, 11-16; 21, 1 ss). É este itinerário que, ao longo deste Ano Pastoral, iremos percorrer num diálogo amigo com Deus, que nos fala em linguagem humana para fazer comunhão de vida connosco. A Revelação de Deus é descrita, neste documento, com a categoria da palavra, mais ainda, do diálogo amigável: “Em virtude desta Revelação, Deus invisível, na riqueza do Seu amor, fala aos homens como a amigos e conversa com eles para os convidar e admitir a participarem da Sua própria vida” (DV 2).

Vamos entrar nesta “conversa”?! Boa viagem de regresso à Palavra! Bom Ano Pastoral! A Senhora do Sameiro, Senhora Hospitaleira da Palavra, caminha connosco!


Arnaldo Vareiro


segunda-feira, 17 de maio de 2010

O ESPÍRITO SANTO

No próximo dia 23 de Maio, a Igreja celebra a Solenidade de Pentecostes, com a qual encerra o Tempo Pascal. O Espírito Santo, dom do Senhor Jesus Ressuscitado, continua a ser “o grande desconhecido da Igreja”. Por isso, deixamos aos nossos leitores esta reflexão sobre a Pessoa do Espírito Santo e os seus dons.
O Espírito Santo é Deus, como o Pai e o Filho. O Espírito está presente desde o princípio e na origem da criação (Gn 1, 2 e 2, 7) e aparece continuamente na história do Povo de Deus, manifestando-se de diferentes maneiras a diversos homens e mulheres. Estes tiveram a sensibilidade para O perceberem e deixarem-se seduzir por Ele, desde reis e profetas a pobres pecadores sem estudos.
Nesta reflexão sobre o Espírito Santo, propomos apenas algumas pistas e vários textos bíblicos para que o leitor possa ter a oportunidade de sentir a sua brisa e o seu calor, porque é sopro e fogo que vem a nós no Pentecostes. Os textos que sugerimos são do Novo Testamento, pois nos parecem apropriados para penetrar e viver este tempo do Espírito. No Novo Testamento, fala-se frequentemente do Espírito Santo. Também é chamado “Espírito de Deus”, “do vosso Pai”, “de Jesus”, “de Verdade”, “de vida”, o “Consolador”, entre outros nomes. Alguns exprimem claramente que Ele procede do Pai e do Filho. Além disso, é representado, na sua actuação, com os símbolos da pomba, do vento, do fogo, da água, do selo que marca…
A utilização desta simbologia não deve fazer-nos esquecer de que o Espírito é uma Pessoa e de que, na Bíblia, lhe são atribuídas faculdades próprias dos seres humanos: tem inteligência (Rm 8, 27); vontade (1 Cor 12, 11); sentimentos (Ef 4, 30 e Rm 8, 27); revela-se (2 Pe 1, 21); ensina (Jo 14, 26); dá testemunho (Gl 4, 6); intercede (Rm 8, 26); fala (Ap 2, 7); ordena (Act 16, 6-7); podemos contristá-l’O (Ef 4, 30); mentir-Lhe (Act 5, 3) e até falar contra Ele (Mt 12, 31-32).
O Espírito Santo é o sopro de Deus, o alento vital que transforma a nossa realidade, criando um coração novo no Povo de Deus, fortalecendo-o, animando-o interiormente, convertendo-o em testemunha da sua fé. Este Espírito manifesta-se, sobretudo, em Jesus, que depois no-l’O envia para que conheçamos a vontade de Deus e demos fruto.
Com o Pentecostes (Act 2, 1-11), a criação e o mundo inteiro recebem um novo impulso. Ao mesmo tempo, as comunidades cristãs tornam-se missionárias e lançam-se, sem temor, a anunciar a Boa-Nova a todos os povos. A Igreja nascente experimenta a acção do Espírito porque é purificada por Ele; o Espírito inspira-a, dá-lhe unidade e fortaleza, preside às decisões da Comunidade e edifica-a.

Os dons

Os dons vulgarmente atribuídos ao Espírito, não são exaustivos nem excludentes; resumem, porém, toda a acção que Ele realiza em nós. Todavia, acima de todos, há um dom que dá sentido a todos os outros: o dom do Amor. Não de qualquer tipo de amor, mas do que tem a sua expressão máxima na entrega da vida pelos irmãos. É este o maior dom do Espírito Santo. Sem ele, a nossa vida não tem sentido. O amor (ou a caridade) é a primeira acção de Deus: Ele criou o homem e o mundo por amor e, na plenitude dos tempos, Jesus Ressuscitado, por amor, salvou-nos da morte.

Os sete dons do Espírito Santo

Aprendemos, desde sempre, que os dons do Espírito Santo são sete. Mas este número tem um significado simbólico: plenitude, totalidade e perfeição. Os sete dons (tal como os sacramentos) pretendem resumir toda a acção do Espírito Santo nos cristãos. Constam do Livro de Isaías, da passagem em que o profeta refere as qualidades do futuro Messias:
“Sobre Ele repousará o Espírito do Senhor: espírito de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de ciência e de temor do Senhor. Não julgará pelas aparências, nem proferirá sentenças somente pelo que ouvir dizer; mas julgará os pobres com justiça, e com equidade os humildes da terra...” (Is 11, 2-4a).

Sabemos que os dons do Espírito não são ofertas passivas, mas que exigem uma resposta, como o profeta o diz claramente. Portanto, quem for movido pelo Espírito Santo, deve actuar desse modo. Meditemos um pouco sobre o significado e o sentido dos mesmos:

Sabedoria: consiste em conhecer a Deus. Ser sábio, segundo o Espírito, é conhecer e experimentar o amor e a bondade de Deus, que pratica a justiça e nos torna capazes de sermos também justos. Isto não se aprende nem nos livros, nem nos cursos, mas através de uma vida pessoal e comunitária de oração.

Entendimento: é o dom que nos ajuda a descobrir qual é a vontade de Deus nas grandes e pequenas situações quotidianas.

Ciência: este dom dá-nos a capacidade de discernir, vendo o que é bom e o que é o melhor. Dá-nos a conhecer o projecto de Deus para cada dia. Faz-nos agir de acordo com os princípios e valores cristãos.

Conselho: por meio deste dom, podemos dialogar fraternalmente com as nossas famílias e em comunidade cristã. Podemos ajudar quem precisa, orientando e colaborando para encontrar as melhores soluções. Pelo conselho e pela palavra oportuna, devemos animar os desanimados, encorajando-os a não baixarem os braços e, também, podemos encarar a vida com optimismo.

Fortaleza: este dom ajuda-nos a enfrentar as dificuldades e problemas, que, às vezes, parecem asfixiar-nos e impedir-nos o caminho, com coragem e energia. Ajuda-nos a vencer as tentações de abandonar Jesus e enveredar por um caminho mais fácil. Leva-nos a dar provas de mansidão e de alegria nas obrigações que nos compete cumprir como pais, trabalhadores, estudantes, políticos, catequistas, animadores da comunidade, etc.

Piedade: é o dom de Deus que nos faz descobrir o coração de Deus que nos ama profundamente. Também nos convida a entregar-Lhe o nosso e envia-nos aos irmãos que mais necessitam da nossa consolação. É o dom da Misericórdia.

Temor de Deus: este dom faz-nos reconhecer, humildemente, que Deus é sempre maior que tudo o que podemos imaginar e impele-nos a respeitá-l'O e a amá-l'O como nosso Pai.
Todos nós recebemos um ou mais dons para os partilhar na comunidade. Agir de outro modo, seria provar o Povo de Deus de algum serviço. Devemos receber estes dons ou carismas com acção de graças, sabendo que são ofertas que nos comprometem e que o Espírito dá a quem quer, quando e como quer.
Pois bem, os carismas e dons do Espírito são dados para a edificação da Igreja; compete à própria Igreja pronunciar-se sobre a sua autenticidade.


Oração:
Pai bondoso, derrama o teu Espírito sobre nós e faz-nos generosos no serviço dos outros. Que não nos fechemos nos nossos egoísmos para que, pelo nosso testemunho, em toda a surjam e progridam comunidades que sirvam e vivam como o Teu Filho Jesus Cristo. Amen.

Arnaldo Vareiro

segunda-feira, 19 de abril de 2010

TESTEMUNHO QUE CHAMA

 Celebramos, no próximo dia 25 de Abril, Domingo do Bom Pastor, a 47ª Semana de Oração pelas Vocações. Na sua mensagem para este dia, o Papa Bento XVI convida “os presbíteros, os religiosos e religiosas a serem fiéis à sua vocação, ajudando todos os cristãos a responderem à sua vocação universal à santidade”. O testemunho suscita vocações! O testemunho quotidiano e concreto de uma vida totalmente doada a Deus, na fidelidade e na alegria, impressionará e suscitará tantos homens e mulheres a experimentarem o dom da vocação. Assim o fez São João Maria Vianney no contacto com os seus paroquianos e com aqueles que procuravam os seus conselhos de pastor e guia. Todo o cristão é um ser vocacionado: em primeiro lugar, à Vida, depois, à vida de filho de Deus pelo Baptismo, levando este dom à perfeição através da vocação presbiteral, religiosa, matrimonial ou celibatária. Ser vocacionado é escutar, em cada época e em cada história, a voz de Deus, que Se comunica que variadíssimas formas. Quero, neste mês essencialmente vocacional, mostrar, caro leitor, como o Cura d' Ars ensinava com o testemunho da sua vida os fiéis a aproximarem-se mais de Deus e a serem interpelados por Ele; como o Santo era mediador entre o Senhor que chama e aquele ou aquela que sentia interpelado(a).

Contam os seus registos biográficos que, no ano de 1836, o casal Millet, de Mâcon, resolveu passar alguns dias em Ars para poderem estar com o Santo Cura d' Ars. Com efeito, puderam falar-lhe. Mas a filha Luísa Colomba, que tinha ido com eles, não queria de modo algum entrevistar-se com o servo de Deus. Não obstante, era boa e piedosa. Os peregrinos estavam prestes a sair de Ars, após uma semana de permanência naquele povoado. Foram pela última vez à igreja, quando o P. Vianney passava para a sacristia. Guiado por uma intuição sobrenatural, lançou à multidão um olhar penetrante e fez sinal com o breviário a Luísa Millet. Ela compreendeu logo. Tinha que se render. A multidão abriu-lhe passagem e com um gesto o Santo apontou-lhe o confessionário. A jovem ajoelhou-se. Depois de uma breve conferência, ouviu a palavra que iria orientar toda a sua vida. “Minha filha, serás religiosa visitandina. Deus o quer... Deus o quer”. A penitente resistiu. Mas o Cura d' Ars repetiu pela terceira vez: “Minha filha, Deus o quer”. As dificuldades que tinha a vencer pareciam insuperáveis. Todas se aplanaram por si mesmas. E Luísa Colomba, livre de todos os liames, levantou o voo para a arca santa. Morreu no mosteiro em 20 de Agosto de 1908, cheia de méritos, com a idade de 89 anos e com 64 de profissão religiosa.

Outro exemplo. “Meu padre, perguntava-lhe um sacerdote ajoelhado aos seus pés, hei-de alimentar em mim os desejos da vida religiosa, que sinto tão vivamente desde o segundo ano que estive no seminário maior, ou seja já aos vinte anos?” Respondeu-lhe o Cura d' Ars sem rodeios: “Sim, meu amigo, este pensamento vem de Deus; é preciso cultivá-lo.

  • Nesse caso, meu Padre, permitir-me-á deixar o cargo que ocupo (este sacerdote era professor num seminário menor) e entrar para uma ordem religiosa? Que acha melhor?

  • Devagar, meu amigo. Fique onde está. Saiba que Deus manda, às vezes, bons desejos, cuja realização nunca exigirá neste mundo”.

O P. Vianney, às pessoas casadas, fazia-lhes ver a grandeza da sua vocação, exortando-as a cumprirem santamente as suas obrigações. Uma senhora, que já tivera muitos filhos, ia ficar mãe novamente. Foi buscar coragem junto do Cura d' Ars. Não precisou de esperar muito, pois o Santo chamou-a de entre a multidão.

  • Estás tão triste, minha filha - observou-lhe quando se ajoelhou no confessionário.

  • Ah! Sim, já estou tão velha, meu Padre!

  • Ânimo! Não te assustes com o fardo! Nosso Senhor carrega-o contigo. O que Deus faz é bem feito. Quando concede a uma mãe muitos filhos, é sinal de que a julga digna de educá-los. É da parte d' Ele prova de confiança.


Estes três exemplos mostram-nos como São João Maria Vianney era um instrumento do qual Deus se servia para chamar, para guiar os homens no caminho da sua história. A santidade da sua vida e a sua prudência sobrenatural nas decisões inspiravam às almas justas uma confiança sem limites. Ser vocacionado é perscrutar em cada dia a voz e o sopro do Espírito; é testemunhar que vale a pena aspirar ao Mais!

Nunca esqueçamos de rezar pelas vocações! Confiemos à Senhora do Sameiro, Mãe do Sim, todos aqueles que se sentem chamados e inquietados por Deus para que saibam acolher, em cada dia, o que Deus quer!


Arnaldo Vareiro

terça-feira, 30 de março de 2010

EUCARISTIA, NUTRIÇÃO DOS FILHOS DE DEUS

O Tríduo Pascal do Senhor (Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor Jesus) começa na tarde de Quinta-Feira Santa, na qual Jesus institui, no Cenáculo de Jerusalém, a Santíssima Eucaristia e o Sacerdócio. A Igreja, todos nós como baptizados, é convidada a encetar com o Senhor Jesus este caminho desde o Cenáculo até à manhã de Páscoa. Este caminho inicia-se com a celebração da Eucaristia, na qual Jesus antecipa a sua entrega total na Cruz. Neste Ano Sacerdotal, reveste-se de particular importância este dia. Somos convidados a dar graças pelo dom do sacerdócio ministerial pelo qual Jesus Cristo perpetua o Seu Sacramento de Amor e a aproximar-mo-nos mais e melhor deste Amor doado totalmente. Para nos ajudar viver melhor este dia e em continuação do que partilhei convosco no número anterior, partilho convosco uma catequese que S. João Maria Vianney proferiu em Ars sobre a comunhão de Jesus Eucaristia:
“Meus filhos, todos os seres da criação têm necessidade de se nutrirem para viver; foi para isso que Deus fez crescer as árvores e as plantas; é uma mesa bem servida onde todos os animais vêm cada um tomar o alimento que lhe convém. Mas é necessário que a alma também se nutra. Onde está, pois, o seu alimento?... Meus filhos, quando Deus quis dar alimento à nossa alma para a sustentar na sua peregrinação neste mundo, olhou para todas as coisas criadas e não encontrou nada digno dela. Então concentrou-se em si mesmo e resolveu dar-Se a si próprio...
Oh! Minha alma, como és grande! Só Deus te pode contentar!... O alimento da alma é o Corpo e o Sangue de Deus!... Oh! Formoso alimento! A alma não se pode alimentar senão de Deus. Só Deus lhe pode bastar. Só Deus a pode saciar. Fora de Deus não há nada que possa saciar a sua fome. Necessita absolutamente de Deus... Que ditosas são as almas puras unidas a Deus pela comunhão. No céu resplandecerão como formosos diamantes porque Deus Se reflectirá nelas... Oh! Vida ditosa! Alimentar-se de Deus! Oh! homem, como és grande. Nutrido, abeberado com o Corpo e o Sangue de um Deus! Ide, pois, comungar, meus filhos!...”

Que palavras cheias de ardorosos apelos e exclamações sublimes nos deixa o Cura d' Ars! Somos convidados a permanecer no Lado Aberto do Senhor Jesus, trespassado no alto da Cruz. Pela comunhão eucarística, o Coração de Jesus estende a sua morada a cada coração humano. No Coração de Cristo, o Pai prepara-nos um banquete, ao qual não devemos faltar, pois a Eucaristia é o maior dom do amor de Deus e é necessário corresponder a tal dom. O Amor reclama amor.
Neste tempo pascal, saibamos permanecer, pela comunhão eucarística, mergulhados no abismo de misericórdia e beleza, isto é, na chaga aberta para sempre do Lado de Cristo, na e pela qual fomos salvos e redimidos dos nossos pecados!
Arnaldo Vareiro

sábado, 27 de março de 2010

O JESUS DA PÁSCOA

Não é fácil descrever o Jesus da sua última semana entre os humanos. Contudo, com os textos bíblicos nas mãos, poderíamos entrar no seu coração para percorrer com Ele o duro caminho da Paixão à alegria da Páscoa.

A entrada triunfal em Jerusalém não pode ter produzido n’ Ele os efeitos de uma mudança de consciência para o fazer sucumbir diante de tanto triunfalismo. Já o tinha pré-anunciado três vezes: o Filho do Homem devia sofrer e morrer em Jerusalém. Esta consciência da sua missão unia-se à compaixão de ver o seu povo “com ovelhas sem pastor”, à espera de um Messias e um Reino que tinham muito pouco a ver com Ele e com a sua mensagem. Jesus seguramente sabia que o “Hossana!” desse domingo se transformaria no “Crucifica-O” da Sexta-Feira Santa.

Dois dias antes da celebração da Páscoa com os seus discípulos, Jesus sai de Jerusalém para Betânia, a poucos quilómetros dali, onde Maria, a irmã de Lázaro, antecipa a sua sepultura ungindo-lhe a cabeça com um perfume valioso (Jo 12, 1-8). Betânia, para Jesus, era o lugar da amizade, era o calor do lar fraterno, onde o Mestre parece procurar a força humana oferecida pela proximidade dos amigos, antes de enfrentar a dor da traição de judas.

A dor que essa traição pode ter provocado em Jesus é incalculável. Sobretudo se a unirmos às traições dos outros discípulos que, embora sem receberem trinta moedas de prata como recompensa, adormecem quando Ele lhes pede que velem ao seu lado, não duvidam em abandoná-lo quando é levado ao tribunal e, inclusive, negam tê-Lo conhecido, como Pedro na noite de Sexta-feira Santa.

Os maus-tratos dos dois tribunais, a incompreensão da sua missão por parte de quem – supunha-se – melhor O devia entender, a humilhação das zombarias e o escárnio dos soldados, a sede, a dor dos chicotes, o peso da cruz... pouco a pouco iam destruindo o seu corpo para revelar a grandeza de Deus.

As dores sobre a cruz, a lenta agonia de quase três horas, são indescritíveis. Só nos resta contemplar em silêncio, ou melhor, descrevê-los servindo-nos do quarto cântico do Servo de Iahveh que Isaías escrevera:

“(...) Muitos ficaram espantados por causa dele, pois já não parecia gente, tinha perdido toda a aparência humana... desprezado e rejeitado pelos homens, homem de sofrimento e experimentado na dor; como indivíduo diante do qual se tapa o rosto, ele era desprezado e não fizemos caso dele... Foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca... Foi preso e julgado injustamente... A sua sepultura foi colocada junto dos ímpios e o seu túmulo junto dos ricos, embora nunca a mentira estivesse na sua boca...” (Is 52, 14; 53, 3-4. 7-9).

O Gólgota marca o ponto final do aparente fracasso: “Tudo está consumado” (Jo 19, 30). Jesus morre na cruz.

Contudo, no primeiro dia da semana, com as primeiras luzes da aurora, Jesus Ressuscitado aparecerá às mulheres que, chorando no sepulcro, pensam que alguém roubou o seu Senhor. Se o seu corpo glorioso não lhes permite reconhecê-Lo imediatamente, a doçura inconfundível da sua voz volta a expressar a compaixão de sempre: “Mulher, porque choras? Quem procuras?” (Jo 20, 15).

E, ante a tentação da mulher para O deter, responderá com o desapego necessário para a missão que começa: “Vai dizer aos meus irmãos...” (Jo 20, 17).

A partir desse momento, à luz da Ressurreição, a Igreja celebrará, catequizará e anunciará o Senhor Jesus que, sendo embora de condição divina, “não Se apegou à sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a Si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-Se semelhante aos homens. Assim, apresentando-Se como simples homem, humilhou-Se a Si mesmo, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz! Por isso, Deus O exaltou grandemente, e Lhe deu o Nome que está acima de qualquer outro nome; para que, ao Nome de Jesus, se dobre todo o joelho no Céu, na Terra e sob a Terra; e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai” (Fl 2, 6-11).

Através dos séculos, a genuína pregação da Igreja é a que foi fiel a este “Kerigma”, a este anúncio de Cristo crucificado; mas ao mesmo tempo ressuscitado pelo poder do Pai e constituído por Ele “Senhor e Messias” (cf. Act 2, 36).

Devemos aceitar que durante muito tempo a pregação e piedade popular tenham posto o acento na morte, ocultando a Ressurreição de Jesus.

É oportuno, por isso, realçar que essa “espiritualidade da cruz” também deve “ressuscitar” à luz da Vida nova do Ressuscitado.

A Igreja está ao serviço da vida porque é o corpo de Cristo, o Senhor da Vida. Desta forma, pretende tornar suas, em cada dia, as palavras de Jesus: “Eu vim para que tenham Vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10).


Arnaldo Vareiro