quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A TENDA DA HOSPITALIDADE

A 15 de Junho de 1843, na Quinta do Bosque – Amadora, perto de Lisboa, nasce, de família nobre, Libânia do Carmo Galvão Mexia de Moura Telles e Albuquerque. Na adolescência, experimenta as durezas da orfandade. Após cinco anos no Internato da Ajuda, é acolhida no Palácio dos Marqueses de Valada, onde continua a preparação para o seu meio social – a nobreza. Mas Libânia, apesar de ser tratada como filha, sente em si uma força íntima que a impele ao Mais, a um ideal maior. O seu viver é desafiado pelo clamor dos sem nada e sem ninguém.

Quer dedicar-se totalmente ao serviço dos mais necessitados e, por isso, procura a Vida Religiosa para atingir este seu objectivo. Entra no Recolhimento de S. Patrício e toma o hábito de Religiosa, recebendo o nome de Ir. Maria Clara do Menino Jesus.

Em Calais – França, faz o seu Noviciado e professa no dia 14 de Abril de 1871, regressando a Portugal. Em cerimónia solene, presidida pelo Padre Raimundo dos Anjos Beirão (co-fundador da Congregação), que sempre a apoiou e orientou, assume o cargo de Superiora de todas as companheiras que com ela se haviam consagrado. Nasce, assim, no dia 3 de Maio de 1871, aquela que viria a chamar-se oficialmente a Congregação das Irmãs Hospitaleiras dos Pobres pelo Amor de Deus, depois Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas e, hoje, Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição.

À medida que a Congregação ia crescendo e expandindo (por todo o território nacional, até Angola, Goa, Guiné e Cabo Verde), o coração da Mãe Clara (assim tratada carinhosamente pelos pobres) dilatava-se, norteado somente pela caridade, animado pelo conselhos que frequentemente repetia: “Trabalhemos com amor e por amor”; “Onde houver o bem a fazer que se faça!”

Parte para junto de Deus no dia 1 de Dezembro de 1899 deixando o rasto de uma vida feita oração, bondade, humildade, entrega, presença de amor e confiança, de ajuda e esperança, de indulgência e conforto.

A Mãe Clara, seguindo o exemplo do Mestre, ergue, neste mundo, a Tenda da Hospitalidade, mostrando ao mundo o rosto terno e misericordioso do Deus-Amor. Jesus, Verbo do Pai, fez-se um de nós, sofrendo as dores da história humana, dando a Sua vida na cruz, “que representa que o próprio Deus é sofredor, que Ele nos ama” (Bento XVI). Mãe Clara ateou a chama da Hospitalidade, rasgando brumas de incerteza e abrindo caminhos novos. Os tempos que vivemos carecem de luminosidade que fascine. “Iluminar e Aquecer” (Lucere et Fovere) ergue-se como bandeira, é o programa vivo, é a urgente Missão de quem quiser fazer da vida uma sementeira de Bem.

A Congregação das Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição tem uma forte ligação com a nossa cidade de Braga, mais concretamente com o Santuário de Nossa Senhora do Sameiro. Neste Santuário, honra-se a Imaculada Conceição, Maria, a Hospedeira do Verbo, aquela que se entregou ao Amor, aquela que fez graça, isto é, deu ao mundo o rosto da ternura do nosso Deus. A Mãe Clara quis que a Congregação fosse consagrada a Nossa Senhora do Sameiro, mas não chegou a ver realizado este sonho, mas viria a falecer quase inesperadamente. Mas as Irmãs cumpriram o desejo da sua fundadora, e, em 1901, vieram ao Monte do Sameiro consagrarem as suas vidas e os seus trabalhos hospitaleiros à Senhora do Sameiro.

Interessante esta ligação da Congregação das Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição com o Santuário do Sameiro! Por isso, em ano da Beatificação da Mãe Clara e no início de um Ciclo Inaugural de Concertos do novo órgão da Basílica, a Confraria do Sameiro convidou a Ir. Maria Amélia Costa, Franciscana Hospitaleira da Imaculada Conceição, para vir ao Sameiro apresentar o musical mariano “Cantar Maria e como Ela ser feliz!” Será no próximo dia 20 de Fevereiro, Domingo, às 15.15 horas, na Basílica do Sameiro. Às 16.30 horas haverá Eucaristia, presidida pelo Cónego José Paulo Abreu, Presidente da Confraria do Sameiro.

Vamos comparecer e, através da Mãe Clara, olharmos para Maria, rosto terno de Deus, ganhando energias para erguermos nesta História, que é a nossa, a Tenda da Hospitalidade!


Arnaldo Vareiro

sábado, 29 de janeiro de 2011

LOURDES E O SAMEIRO

Na sua Bula “Ineffabilis Deus”, de 1854, Pio IX “declarava, pronunciava e definia” que a Mãe de Deus foi Imaculada na Sua Conceição e que assim o declarava e definia “para honra da Santíssima Trindade, para decoro e ornamento da Bem-aventurada Virgem Maria, para exaltação da fé católica e aumento da religião cristã”.

Quatro anos depois, em Lourdes, Nossa Senhora veio sensivelmente confirmar o oráculo de Pio IX: “Eu sou a Imaculada Conceição”. Em 1861, nasce o sonho do P. Martinho Pereira da Silva: construir um monumento dedicado à Imaculada Conceição da Virgem Maria, perpetuando a definição dogmática. Depois de inúmeros esforços, nasce o Sameiro, intérprete de Portugal, que é terra da Senhora da Conceição, dando prova inequívoca de devoção à sua Imaculada Rainha. Lourdes, em França, tornou-se o centro de convergência das atenções de todo o mundo; em direcção a Lourdes se encaminham as multidões em busca da saúde do corpo e do espírito. Em Portugal, o Sameiro acolhe centenas de peregrinos que buscam a paz e a serenidade do espírito e a saúde do corpo.

Em 11 de Fevereiro, celebra-se a memória litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes e o Dia Mundial do Doente. Por isso, este dia reveste-se também de particular importância para todos os devotos da Virgem Imaculada do Sameiro.

Em 1958, foi celebrado o centenário de Lourdes no Sameiro. Foi um acontecimento celebrado com especial solenidade, tendo como principal convidado de honra da Confraria do Sameiro de então o Senhor Bispo de Tarbes e Lourdes, Mons. Pierre-Marie Théas. Para fazer memória deste acontecimento, foi publicado um livro intitulado “Lourdes no Sameiro”, que contém todos os discursos proferidos pelos ilustres convidados nas sessões comemorativas. Partilho com os leitores a alocução que fez Sua Excelência Reverendíssima o Senhor Núncio Apostólico D. Fernando Centro, na Missa Campal celebrada no Sameiro a 1 de Junho de 1958, por ocasião do encerramento das Comemorações das Aparições de Lourdes.


“Bendita seja a gloriosa cidade de Braga, que tão merecidamente foi chamada a Roma de Portugal!

Bendita seja, pelos históricos triunfos eucarísticos e marianos que nela se celebraram!

Bendita seja, pelos monumentos imponentes que levantou, para exaltar Cristo Nosso Senhor, sua Mãe Santíssima e seu Vigário na Terra, o Sumo Pontífice!

Não duvido, este hino, que aos lábios me sobe do fundo da alma, tem ressonância nos aqui presentes, embora nem todos sejam bracarenses, pois se basia numa realidade histórica indiscutível.

Pela terceira vez me cabe presenciar, nesta urbe insigne, festas memoráveis.

Foi a primeira quando, no Ano Mariano de 1954, aqui se reuniu o grandioso II Congresso Mariano Nacional.

Voltei a ela em 1957, por motivo do igualmente magnífico Congrsso do Apostolado da Oração.

E assim como outro Núncio Apostólico, meu predecessor, numa solene ocasião, coroou a formosíssima imagem da Padroeira, que sorri do altar-mor desta Basílica, eis-me aqui novamente, convidado pelo venerando e venerado Arcebispo Primaz, para festejar convosco o centenário das Aparições de Lourdes.

Ah, Lourdes! É um nome que faz vibrar as fibras mais íntimas das almas de todos os cristãos, no mundo inteiro.

Lourdes é a capital do milagre; é, dir-se-ia, um pedaço de céu na terra; é o Tabor do sofrimento transfigurado; é a clínica prodigiosa para todas as doenças do corpo e da alma; é a casa da Mãe celeste, em que todos os seus filhos – não importa se de raça, de língua, de condições diferentes – se sentem irmãos.

Bem-aventurados os que nesta jubilosa puderam peregrinar até Lourdes, para ali passarem horas de verdadeira felicidade!

Se nem a todos, porém, se concederá esse privilégio, dizei-me qual a nação, qual a cidade, qual a vila, qual a freguesia, qual a aldeia onde não se deseje, em plena sintonia espiritual, comemorar, pela melhor forma, este centenário?

Deu, por isso, o sinal o Augusto Vigário de Cristo, com a Encíclica de 2 de Julho do ano passado, que, evocando as aparições da Imaculada a Bernardette, incitava o mundo católico a prostrar-se aos seus pés, para lograr a restauração cristã da sociedade; e que, com a Constituição Apostólica do dia primeiro de Novembro seguinte, se dignou conceder a indulgência do Jubileu aos peregrinos que visitassem aquele Santuário.

Podia Portugal, podia particularmente Braga não corresponder com fervor entusiástico ao empolgante apelo do Chefe da Igreja?

Pois bem, poucos lugares da Terra de Santa Maria se poderiam indicar, tão a propósito, para esta manifestação religiosa, como o Santuário do Sameiro.

Efectivamente, é preciso lembrar que a Aparição da gruta de Massabielle, acontecida quatro anos depois da definição dogmática da Conceição Imaculada de Maria, foi, se se me permite a expressão como que o seu selo divino, a sua celestial sanção e confirmação.

Não respondeu Ela à feliz donzela que lhe perguntou o seu nome: “Eu sou a Imaculada Conceição?”

Ora bem, se com esse dogma está intimamente e indissoluvelmente ligado o Santuário de Lourdes, não é verdade que, no Santuário do Sameiro, o piedoso povo português se sente como que em Lourdes?

Sameiro... Sameiro... Maravilha de beleza natural, soberbo conjunto de edifícios sagrados, obra-prima com que, por iniciativa de um humilde sacerdote, o saudoso Padre Martinho, secundado pela devoção e generosidade de toda uma nação, quis Bracara Augusta demostrar a sua alegria irreprimível, por se ter oficialmente reconhecido a Maria a imunidade do pecado original.

Creio poder afirmar, sem exagero, que, a cinquenta anos daquela proclamação dogmática, não se ergueu talvez no mundo católico padrão semelhante em honra da Imaculada.

Transborde, hoje, portanto, todo o nosso júbilo, ressoem os nossos cânticos, cheguem ao trono de Maria as nossas ardentes orações.

Que poderá negar-nos, este ano, essa benditíssima Mãe?

E a Ela, que poderá negar-lhe o seu Filho Divino?

Oh! São tantas as nossas necessidades pessoais, tantas as necessidades da Igreja, tantas as necessidades da humanidade!

Para as enumerarmos todas, teríamos de nos servir de larga ladainha.

Pois bem, livre, cada um de vós, de expor-lhe essa ladainha, deixai que eu me faça eco, neste momento, dos desejos do Santo Padre, como seu Representante que sou, assinalando-vos as cincos especiais graças a pedir por intercessão de Maria, segundo ele próprio recomendou, na já citada Constituição Apostólica de 1957.

Seja a primeira o regresso, ao redil da Santa Igreja, dos que se afastaram da verdade.

Pobres errantes, que, longe de Cristo, andam às cegas nas sombras da morte!

Como poderíamos, gozando as doçuras inefáveis da fé, não experimentar profunda compaixão pelos que a perderam?

Virgem Maria, iluminai-os.

Stella matutina, ora pro nobis!

Seja a segunda a conversão dos pecadores. Não vos sentis – dizei-me – consternados, ao encontrardes tantos infelizes, que, escravizados por tirânicas paixões, tombaram no abismo do mal?

Estarão, talvez, aqui mesmo alguns desses desventurados?

Oh! Que Maria rompa as suas cadeias e os faça cair, como filhos pródigos, nos braços do Pai que está no Céu.

Refugium peccatorum, ora pro nobis!

Seja a terceira o progresso das almas justas até à santidade.

Grande graça é esta. O mundo, como um nenhuma outra época, mais do que de génios, precisa hoje de santos.

Todos somos chamados à santidade: esta vocação coincide com a nossa vocação de cristãos. Pois bem, não nos contentemos com a mediocridade e a rotina, mas aspiremos às alturas.

Haja santos prelados, santos sacerdotes, santos religiosos, santos pais de família, santos operários, santos homens públicos, santos jovens, por intercessão da Imaculada, modelo de toda a santidade.

Regina Sanctorum omnium, ora pro nobis!

Seja a quarta graça, que lhe pediremos, a paz, a suspiradíssima paz entre os povos.

Muitos, entre nós, recordam as duas guerras mundiais, que ensoparam a terra de tantas lágrimas e de tanto sangue. Além disso, à parte a guerra fria que se prolonga há um decénio, estamos em contínuo sobressalto, sob a ameaça de uma guerra atómica, mais catastrófica, cujas consequências poderão ir até à extinção da raça humana.

Basta de ódios, basta de rancores, basta de vinganças.

Que reinem entre os homens, a concórdia e o amor!

Regina pacis, ora pro nobis!

Finalmente, mais uma graça ainda temos que implorar a Maria, isto é, a liberdade da Igreja, para que possa cumprir, sem provações, a missão salvadora que Cristo lhe confiou.

Aqui a minha alma sente-se constrangida pela dor mais aguda, perante a desapiedada luta, que se trava contra a Esposa de Cristo.

Em quantas nações ela está como que manietada! Quantos ministros de Deus, cardeais, bispos, sacerdotes, religiosos, fiéis católicos, encerrados em cárceres pavorosos, ou privados, pelo menos, dos seus mais sacrossantos direitos!

Todas as armas, todas as artes, todas as insídias, se empregam, desde a lisonja até ao terror, para fazer renegar a doutrina de Cristo.

Muitos mártires se fizeram já; agora, porém, a táctica dos inimigos tem tomado outro rumo, procurando conseguir apóstatas.

Trágica situação, que nos enche de profundo pesar...

Porém, não vacilemos, não duvidemos, não desesperemos.

Assiste-nos Aquela que esmagou a cabeça da serpente infernal, Aquela a quem dirige a mesma Igreja este louvor – Tu só, debelaste todas as heresias.

E Ela debelará ainda esta, que é a heresia das heresias, a aberração das aberrações.

Supliquemos-lhe, sim, que defenda, que ampare, que salve a Santa Igreja.

Auxilium christianorum, ora pro nobis!

Oh, Maria! Oh, Maria! Depois do Todo-Poderoso, é apenas em Ti que está colocada a nossa esperança.

Rainha do Céu e da Terra, Mãe amorosíssima, piedade das nossas desventuras, das nossas atribulações, das nossas angústias.

Unidos ao Pastor Supremo da Igreja, Vos imploramos que, no ano centenário de uma das Vossas maiores misericórdias para connosco, degredados neste vale de lágrimas, depois de tantas tempestades, volte finalmente a brilhar o arco-íris da reconciliação da humanidade com Deus e dos homens entre si.

“Ó branca Visão do Paraíso, - Vos diremos com as mesmas palavras do Santo Padre – expulsai dos espíritos as trevas do erro com a luz da Fé! Ó mística Rosa, aliviai as almas abatidas com o perfume celeste da Esperança! Ó Fonte inesgotável de água salutar, reanimai os corações áridos com o orvalho da Caridade divina!

Fazei com que todos nós que somos Vossos filhos, reconfortados por Vós em nossas penas, protegidos nos perigos, sustentados nas lutas, amemos e sirvamos Vosso doce Jesus, de tal sorte que mereçamos as alegrias eternas, junto do Vosso trono no Céu. Assim seja!”

Arnaldo Vareiro