sexta-feira, 31 de julho de 2009

O CORAÇÃO DO CRISTIANISMO (Jo 6, 24-35)

1. Diz-nos o evangelho deste Domingo que as multidões necessitavam de Jesus e foram à Sua procura. Há algo Nele que as atrai, mas não sabem exactamente porque O buscam nem para quê. Segundo o evangelista, muitos o fazem porque no dia anterior Jesus tinha-lhes distribuído pão para saciar a sua fome.
2. Jesus começa a conversar com eles. Há coisas que convém esclarecer desde o início. O pão material é muito importante, Ele mesmo nos ensinou a pedir ao Pai "o pão de cada dia" para todos. Mas o ser humano necessita de algo mais. Jesus quer oferecer-lhes um alimento que pode saciar para sempre a sua fome de vida.
3. As multidões apercebem-se que Jesus lhes está a abrir um horizonte novo, mas não sabem o que fazer nem por onde começar. O evangelista resume as suas dúvidas com estas palavras: "Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?" Há nelas um desejo sincero de acertar. Querem trabalhar no que Deus quer, mas acostumados a pensar tudo a partir da Lei, perguntam a Jesus que obras, práticas e observâncias novas têm que ter em conta.
4. A resposta de Jesus toca o coração do cristianismo: "a obra (no singular!) de Deus consiste em acreditar n'Aquele que Ele enviou". Deus só quer que acreditem em Jesus Cristo, o grande dom que Ele enviou ao mundo. Esta é a nova exigência! Nisto têm de trabalhar! O resto é secundário!
5. Depois de vinte séculos de cristianismo, não necessitaremos de descobrir de novo que toda a força e originalidade da Igreja está em crer em Jesus Cristo e segui-Lo? Não necessitaremos de passar da atitude de adeptos de uma religião de "crenças" e de "práticas" para viver como discípulos de Jesus?
6. A fé cristã não consiste primordialmente em ir cumprindo correctamente um código de práticas e observâncias novas, superiores às do Antigo Testamento. Não. A identidade cristã está em aprender a viver um estilo de vida que nasce da relação viva e confiante em Jesus, o Cristo. Vamo-nos tornando cristãos na medida em que aprendermos a pensar, sentir, amar, trabalhar, sofrer e viver como Jesus.
7. Ser cristão exige hoje uma experiência de Jesus e uma identificação com o Seu projecto que não era requerida até há uns anos atrás para se ser um bom praticante. Para subsistir no meio da sociedade laica, as comunidades cristãs necessitam cuidar mais do que nunca a adesão e o contacto vital com Jesus, o Cristo.

Arnaldo Vareiro

terça-feira, 28 de julho de 2009

ANO SACERDOTAL



1. Depois de um intenso ano voltado para a figura de Paulo, o grande apóstolo e estafeta de Cristo, agora, o Papa Bento XVI convida toda a Igreja a olhar para o valor do Sacerdócio Ministerial, e, por isso, proclamou o “Ano Sacerdotal”, que decorrerá de 19 de Junho de 2008 a 19 de Junho de 2009. Começou em dia da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus – dia dedicado tradicionalmente à oração pela santificação do clero – e prolongar-se-á durante este ano pastoral, em que se celebra o 150º aniversário da morte de São João Maria Vianney, patrono de todos os párocos do mundo, cuja memória litúrgica celebra-se em 4 de Agosto.

2. Qual a finalidade deste ano? O Papa di-lo na Carta que escreveu em 16 de Junho de 2009, para a proclamação do Ano Sacerdotal: «Este ano pretende contribuir para fomentar o empenho de renovação interior de todos os sacerdotes para um seu testemunho evangélico mais vigoroso e incisivo». Mais do que olhar para o “exterior” da missão sacerdotal, o Papa convida a que os presbíteros se olhem “por dentro”, que redescubram a sua identidade; mais do que olhar para as obras grandiosas que um presbítero possa fazer, é necessário redescobrir aquilo que é específico da sua missão sacerdotal, aquilo que distingue o seu sacerdócio do “sacerdócio comum dos fiéis” (LG 10), que todos nós, baptizados, exercemos.

3. Para ajudar a fazer este exercício de redescoberta, o Papa propõe como exemplo S. João Maria Vianney e elenca vários aspectos da sua vida e virtudes que podem e devem ser imitáveis pelos presbíteros e cristãos do século XXI. Ao longo deste ano sacerdotal iremos passar com mais pormenor em alguns aspectos da vida do patrono dos párocos, mas, nesta primeira abordagem, quero deixar uma breve resenha histórica. Nascido a 8 de Maio de 1786, em Dardilly, João Maria Vianney é o quarto de uma família de seis filhos. Os seus pais cultivam treze hectares de terra. É uma família que pratica o Evangelho a partir da oração em conjunto e do acolhimento aos mais pobres.

Embora sendo muito pequeno, a sua mãe educa-o, pela oração, no amor de Deus e da Virgem Maria. João Maria tem apenas três anos quando rebenta a Revolução Francesa, e sete anos quando as perseguições atingem a sua região. É assim mergulhado, desde muito jovem, no drama de uma Igreja dilacerada e de uma sociedade dividida.

É na clandestinidade que João Maria Vianney, em 1797, faz a sua primeira confissão. É aqui, sem dúvida, que ele – que virá a ser o «homem da reconciliação» -, descobre a importância deste sacramento porque o padre a quem ele se confessa arriscou a vida para o fazer. Espera dois anos para poder fazer a sua primeira comunhão, ainda clandestinamente (é descarregado feno diante da casa onde a missa é celebrada, para desviar as atenções). Espera depois mais dois anos para comungar pela segunda vez. Como não compreender a consciência que tinha da grandeza da Eucaristia e da Reconciliação, quando ele viu padres a arriscar a própria vida para lhe permitir encontrar Deus nos sacramentos? Nos próximos números do nosso jornal iremos reflectir mais aprofundadamente como o Santo Cura d’ Ars vivia e celebrava estes dois sacramentos.

João Maria Vianney vai muito tarde para a escola, sobretudo porque na sua aldeia não havia professor. E só aos dezassete anos é que aprende a escrever. Desde muito cedo quis ser padre, mas foi apenas aos vinte anos que começou os estudos. O pai não estava de acordo, e os estudos ficavam muito caros. Para evitar gastos é o Pároco de Écully que o ensina. Será este, verdadeiramente, o seu mestre espiritual.

Napoleão, que entretanto subiu ao poder, começa a guerra. Tem necessidade de soldados. João Maria é chamado para o serviço militar em 1809, mas fica doente na viagem de partida. Antes de integrar o seu batalhão do exército, deserta, encorajado por um recruta que o guia para a aldeia de Noës, nos montes de Forez. Considerado como desertor, é o seu irmão que parte na sua vez, e não mais voltará a Dardilly. João Maria Vianney guardará para sempre esta ferida do desaparecimento do irmão, sem no entanto lamentar o que fez.

O jovem João Maria retoma os estudos eclesiásticos, com dificuldade. É mandado embora do Seminário Maior de Lyon em 1813, não por falta de inteligência mas por manifesta falta de bases: aprender Teologia em latim e evoluir intelectualmente quando só começou a ler e a escrever aos dezassete anos, não é fácil! João Maria Vianney é um homem inteligente e esperto, com uma intuição invulgar para as coisas de Deus. Embora tendo dificuldade em estudar passa razoavelmente no exame de francês, em Écully, onde o abade Balley continua a assegurar a sua formação. Depois do exame, o Vigário Geral terá dito: «O senhor sabe tanto ou mais que a maior parte dos nossos padres da província».

Em 13 de Agosto de 1815 é ordenado padre em Grenoble, porque, em Lyon, o cardeal Fesh, tio de Napoleão, acaba de deixar a sua diocese, por razões de segurança (a batalha de Waterloo tinha sido em 18 de Junho). É imediatamente nomeado vigário de Écully, ao lado de Mons. Balley, que morreu em 1817.

A 11 de Fevereiro de 1818, é nomeado para Ars, pequena aldeia em Dombes, no Departamento do Ain, instalando-se dois dias depois. Ficará lá 41 anos, até à sua morte no dia 4 de Agosto de 1859. Inicialmente paróquia da diocese de Lyon, Ars passa para a diocese de Belley em 1823, aquando da sua fundação por Mons. Devie.

O seu ministério desenrola-se num contexto de inconstância política: império, monarquia, república e de novo império. A França tem dificuldade em estabelecer a paz. Três revoluções, dois golpes de Estado e dois períodos de terror marcaram a sua história entre 1786 e 1859. No plano religioso, o anticlericalismo manifesta-se nalguns períodos, particularmente em 1830.

Desde o início, João Maria Vianney revela-se um homem empreendedor. Do restauro do relógio da igreja à construção de capelas, passando pela aquisição, em 1824, da casa que se chamará «Providência» para aí fazer uma escola gratuita para raparigas, ou ainda a compra de paramentos litúrgicos para «exprimir a beleza de Deus», tudo é feito no sentido de anunciar e pôr em prática o Evangelho.

No seu ministério, o Cura d’Ars saberá sempre pôr em destaque a primazia de Deus na vida humana. Inicialmente caracterizado por um certo rigor moral no anúncio de Cristo, rapidamente se deixará conduzir pela sua própria vida espiritual e anunciará a grandeza do Amor de Deus e a Sua Misericórdia infinita pelo homem pecador.

Como a Virgem Maria ocupava um grande lugar na sua vida e na sua fé, manda colocar uma imagem da Santíssima Virgem e consagra a sua paróquia a «Maria concebida sem pecado». Ora, estamos em 1836, quer dizer, dezoito anos da promulgação do dogma da Imaculada Conceição!

Uma das originalidades de Ars é que a «peregrinação» começa ainda em vida de João Maria Vianney. Já antes de 1830 muitas pessoas vinham confessar-se ao Cura d’Ars, atingindo dezenas de milhar nos últimos anos da sua vida. Registam-se mais de cem mil peregrinos em 1858. A maior parte do seu dia é passado na igreja, principalmente para as confissões, mas também para a oração, a Eucaristia e a catequese. Apesar da afluência dos peregrinos, mesmo assim não abandona os seus paroquianos, que terão sempre prioridade.

Tornando-se a tarefa do seu ministério cada vez mais pesada, o Cura d’Ars aceita um auxiliar. Depois uma equipa de missionários diocesanos e irmãos da Sagrada Família de Belley vêm ajudá-lo no exercício das suas funções.

Esgotado pelas suas excessivas actividades, o Cura d’Ars fica definitivamente de cama em 30 de Julho. A 4 de Agosto de 1859, às duas horas da manhã, «entra na glória de Deus». Tem setenta e três anos.

A 8 de Janeiro de 1905, João Maria Vianney é beatificado pelo Papa Pio X. A 31 de Maio de 1925, o Papa Pio XI canoniza-o. Torna-se então «S. João Maria Vianney». Mas, para multidões, ele é antes de tudo o «santo Cura d’Ars». A 23 de Abril de 1929 é nomeado padroeiro de todos os párocos.

4. A vida de S. João Maria Vianney é de uma profunda intensidade espiritual! Ao longo deste ano somos convidados a entrar nela, a beber dela, ajudando-nos a atingir a santidade, à qual somos todos chamados, como refere a Constituição Dogmática «Lumen Gentium» do Concílio Vaticano II: «…cada um dos fiéis, seja qual for o seu estado ou classe, é chamado à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade» (n. 40). O Ano Sacerdotal é, em primeiro lugar, um convite a caminharmos mais intensamente na santidade, um caminho que se faz em conversão permanente e dinâmica, morrendo, quotidianamente, para nós mesmos para vivermos mais para o Deus Santo, ajudando os nossos irmãos também a serem santos, não só os presbíteros, mas todos os baptizados.

5. Mas, os fiéis devem usar «as forças recebidas segundo a medida do dom de Cristo, para alcançarem esta perfeição» (LG 40). Estas forças só podem ser recebidas na oração. Por isso, o Ano Sacerdotal é também um convite a rezarmos mais, pedindo ao Senhor que nos ajude a sermos santos; mas, de um modo especial, deve ser um ano de oração dos sacerdotes, com eles e por eles, para que seja um ano de renovação de cada presbítero e de cada presbitério. Seria bom que reavivássemos momentos de Adoração Eucarística pela santificação dos sacerdotes. Rezemos pelo aumento de santas vocações sacerdotais e louvemos o nosso Deus pelas vocações que vai suscitando na Sua Igreja e que a Ele correspondem na generosidade da sua vida. O Presbitério da nossa Arquidiocese de Braga ficou mais rico com a ordenação presbiteral de sete diáconos no passado dia 19 de Julho! Rezemos por estes novos presbíteros e também pelas comunidades que os irão acolher, para que todos dêem as mãos neste caminho alegre, mas também íngreme, da santidade! Seja um tempo para as comunidades rezarem, meditarem e festejarem, prestando uma justa homenagem aos seus sacerdotes; que elas não o vejam como um funcionário das “coisas” de Deus, mas aquele que, à imagem de Cristo Bom Pastor, as serve com dedicação, amor e ternura! Seja um tempo para as comunidades reavivarem a amizade e alegria com os seus sacerdotes e vice-versa!

6. S. João Maria Vianney confiou toda a sua vida e o seu ministério sacerdotal à Virgem Maria, a Mãe do Único e Eterno Sacerdote Jesus Cristo e de todos aqueles que participam do Seu sacerdócio. Confiemos a Ela, à Senhora do Sameiro, este Ano Sacerdotal e os Sacerdotes com uma oração composta por João Paulo II na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores Dabo Vobis, que ele escreveu em 1992, sobre a formação dos sacerdotes nas circunstâncias actuais:

Maria,

Mãe de Jesus Cristo e Mãe dos Sacerdotes,

Recebei este preito que nós Vos tributamos

Para celebrar a Vossa maternidade

E contemplar junto de Vós o Sacerdócio

Do Vosso Filho e dos Vossos Filhos,

Ó Santa Mãe de Deus.


Mãe de Cristo,

Ao Messias Sacerdote destes o corpo de carne

Para a unção do Espírito Santo

E salvação dos pobres e contritos de coração,

Guardai no vosso coração

E na Igreja os sacerdotes,

Ó Mãe do Salvador.


Mãe da fé,

Acompanhastes ao templo o Filho do Homem,

Cumprimento das promessas feitas aos nossos Pais;

Entregai ao Pai, para Sua glória,

Os sacerdotes do Filho Vosso,

Ó Arca da Aliança.


Mãe da Igreja,

Entre os discípulos no Cenáculo,

Suplicastes o Espírito

Para o Povo novo e os seus Pastores;

Alcançai para a ordem dos presbíteros

A plenitude dos dons,

Ó Rainha dos Apóstolos.


Mãe de Jesus Cristo,

Estivestes com Ele nos inícios

Da Sua vida e da Sua missão;

Mestre O procurastes entre a multidão,

Assisteste-l’O levantado da terra,

Consumado para o sacrifício único eterno,

E tivestes perto João, Vosso filho;

Acolhei desde o princípio os chamados,

Protegei o seu crescimento,

Acompanhai na vida e no ministério

Os Vossos filhos,

Ó Mãe dos sacerdotes. Ámen!


Arnaldo Vareiro

sábado, 25 de julho de 2009

O NOSSO GRANDE PECADO

1. O episódio da multiplicação dos pães gozou de uma grande popularidade entre os seguidores de Jesus. Todos os evangelistas o relatam. Certamente, comover-lhes-ia pensar que aquele homem de Deus se preocupou em alimentar uma multidão que tinha permanecido sem o necessário para comer.
2. Segundo a versão de João, o primeiro que pensa na fome daquela gente que tinha acorrido para escutá-Lo é Jesus! Esta gente necessita comer; há que fazer algo por eles. Assim era Jesus. Vivia pensando nas necessidades básicas do ser humano.
3. Filipe fez-lhe ver que não tinham dinheiro. Entre os discípulos, todos são pobres: não podem comprar pão para tanta gente. Jesus o sabe. Os que têm dinheiro nunca resolverão o problema da fome no mundo. Não basta só o dinheiro!
4. Jesus vai ajudá-los a vislumbrar um caminho diferente. Antes de mais, é necessário que ninguém acumule o que é seu para si mesmo se há outros que passam fome. Os seus discipulos terão que aprender a colocar à disposição dos famintos o que têm, nem que seja somente "cinco pães de cevada e dois peixes".
5. A atitude de Jesus é a mais sensível e humana que podemos imaginar. Mas, quem nos irá ensinar a partilhar se só sabemos comprar? Quem nos irá libertar da nossa indiferença perante os que morrem à fome? Há algo que nos possa tornar mais humanos? Produzir-se-á algum dia esse "milagre" da solidariedade real entre todos?
6. Jesus pensa em Deus. Não é possível crer n'Ele como Pai de todos e viver deixando que Seus filhos e filhas morram de fome. Por isso, toma os alimentos que recolheu no grupo e "levanta os olhos ao céu e dá graças." A Terra e tudo o que nos alimenta recebemos de Deus. É a dádiva do Pai destinada a todos os seus filhos e filhas. Viver privando os outros do que necessitam para viver é o nosso grnade pecado que quase nunca o confessamos.
7. Ao partilhar o pão da Eucaristia, os primeiros cristãos sentiam-se alimentados por Cristo ressuscitado, mas, ao mesmo tempo, recordavam o gesto de Jesus e partilhavam os seus bens com os mais necessitados. Sentiam-se irmãos!
Arnaldo Vareiro

sexta-feira, 17 de julho de 2009

SILÊNCIO E CALMA PARA IMPULSIONAR A ACÇÃO

1. Para compreender os distintos aspectos do evangelho deste XVI Domingo Comum, temos que ter presente o contexto. Os apóstolos acabam de regressar da missão para a qual Jesus os tinha enviado dois a dois (evangelho do Domingo passado). Entre o envio e o regresso, é-nos narrada o martírio de João Baptista.
2. O retirar-se para um local tranquilo e afastado pode ter dois motivos aparentes: que os discípulos descansem do trabalho ou que, perante o perigo de Herodes, buscassem menor notoriedade e popularidade. Mas estes dois motivos dir-nos-iam muito pouco. Há uma mensagem superior que Marcos nos quer transmitir: os discípulos necessitam de fazer uma séria reflexão sobre o êxito da missão, assim como também o próprio Jesus necessitou de meditar sobre o seu messianismo.
3. Após a missão, os doze voltam a reunir-se e contam as peripécias da tarefa que acaba de terminar. Parece que a missão lhes correu bem e vinham encantados (Lucas, no seu evangelho, o diz expressamente). A euforia das pessoas que os procuram ratifica essa visão. O êxito está a subir-lhes à cabeça e não os deixa tomar a postura adequada.
4. "Vinde, vós, para um lugar tranquilo para descansar um pouco!" O mesmo Jesus que os impulsionou a uma acção desassogada entre as pessoas, os leva agora a um afastamento dessas mesmas pessoas para que se dediquem a eles próprios. Não se trata simplesmente da preocupação pelo seu cansaço. Trata-se, sobretudo, de que percebam bem o sentido do que está sucedendo e não se deixem levar por falsas ilusões. Por duas vezes se diz que vão ao deserto!
5. O texto grego não diz "lugar tranquilo ou despovoado", mas a um lugar deserto. A diferença é importante se tivermos em conta o significado que Marcos dá ao deserto: lugar de luta contra o falso messianismo. Imediatamente depois de ser baptizado, Marcos coloca Jesus no deserto para que ali aclare qual vai ser a sua verdadeira missão, superando a tentação de um messianismo triunfalista. Depois do primeiro êxito na sinagoga de Cafarnaum e da cura da sogra de Pedro, Jesus vai para o deserto orar, a tal ponto que Pedro O encontra e diz, muito enfadado, porque está perdendo a oportunidade de brilhar, de ter fama: "Todo o mundo Te procura!" Jesus pretende que uma reflexão na calma os faça superar o estado de euforia.
6. "Chegaram lá primeiro que eles." Os planos vão ser frustrados por uma urgência maior, a da gente que esperava. Na profunda humanidade manifestada por Jesus neste evangelho, temos que descobrir a sua verdadeira divindade. É de notar que o relato fala agora do grupo: "os reconheceram"; "adiantaram-se-lhes". Ao incoporar os doze à Sua própria missão, o grupo fica estabelecido como uma comunidade de acção. A busca das pessoas reflecte um desejo de salavação que possibilita a tarefa de Jesus. Como a hemorroísa, como Jairo, o povo orpimido descobre a necessidade de salavação e a buscam em Jesus.
7. "Como ovelhas sem pastor". É uma imagem clássica no Antigo Testamento. Numa cultura em que a pastorícia era o principal meio de sustento, todos sabiam perfeitamente o que se estava insinuando com a imagem do pastor. Seguindo a 1ª leitura deste Domingo, Jesus faz uma crítica aos guias/dirigentes que, em vez de cuidar das ovelhas, as utilizam em benefício próprio. Nunca têm faltado pastores, mas têm sido tantas as ofertas e tão persuasivas, que o povo tem-se sentido indefeso perante as ofertas mais disparatadas.
8. "Encheu-se de compaixão por elas." Uma maneira forte e intensa de dizer quão importante era aquela gente para Jesus. A compaixão é a forma mais adequada de expressar o amor. Em todos os tempos podemos constatar que nem os políticos nem mesmo os eclesiásticos têm em conta as pessoas na hora de tomar decisões. O que move sempre os dirigentes é o interesse pessoal disfarçado de uma preocupação pela instituição correspondente.
9. "Pôs-se a ensinar-lhes com calma." Um modo muito subtil de dizer que por cima dos planos de Jesus estão as necessidades das pessoas. Por certo, o texto grego não diz "com calma", mas "muitas coisas". A verdade é que do contexto se deduz que dedicou o dia inteiro a essa tarefa, pois o evangelho de Marcos continua com a narração da multiplicação dos pães, que começa advertindo de que "se faz tarde". Ter tempo para os outros é a melhor maneira de responder às exigências do Evangelho. Jesus mostra-nos essa total disponibilidade. Na verdade, a vocação do cristão é esta: ser para os outros.
10. Cumpre-se a promessa de Jeremias. Jesus é o único pastor. Como diz João, Ele é o modelo de pastor, o único que não nos engana nem se aproveita de nós. Com todos os outros que se apresentem como intermediários há que ter cuidado porque nos podem desviar colocando os seus interesses à frente dos nossos! É uma tentação na qual nós, seres humanos, caímos quase sempre; inclusive, quando falamos de Deus é para manipulá-lo e pô-lo ao nosso serviço. O Deus que temos pregado é um Deus de quem somos representantes. Hoje não estão as ovelhas menos despistadas que no tempo de Jesus! Não faltam pastores, mas cada um as orienta por um caminho diferente. Não sei o que se passaria noutras épocas, mas há uma característica da nossa que é precisamente a desorientação. É urgente descobrir a verdadeira mensagem do Evangelho para poder superar tanta ideologia e legalismo, como se tem vindo a denrolar ao longo do tempo.
11. Quando Paulo diz que derrubou o muro que nos separava, não se refere a uma actuação externa, mas a uma atitude interna de fidelidade a si mesmos, que permite aos seres humanos superar a barreira do ódio. Quando no evangelho Jesus convida os apóstolos a retirar-se para o deserto, está a querer dizer-nos que só no silêncio e no recolhimento interior podemos encontrar o verdadeiro ser, e só depois de sabermos onde está, poderemos indicar aos outros o caminho para encontrá-lo. Sem vida interior, sem meditação profunda não pode haver uma verdadeira vida espiritual. Sem essa vivência não podemos ajudar os outros a descobrir o manancial de água viva que levam dentro. Se encontrássemos Deus em nós, levá-lo aos outros se converteria na tarefa mais urgente da nossa vida! O evangelho deste domingo é um reconhecimento da necessidade do silêncio para recuperar a harmonia interna. O stress de que hoje padecemos deve-se à falta de tempos tranquilos impede-nos de assimilar e ordenar os acontecimentos, que nos podem destroçar como a comida não digerida e, portanto, indigesta. Busca o teu interior e descobre aí o verdadeiro guia! Não mendigues mais água, que te é dada a contagotas e por um preço; busca a fonte que está sempre manando e à tua inteira disposição! As mediações serão boas na medida em que não se convertem em fins ou em meios para que outro se aproveite. Te ajudará todo aquele que te ajude a entrares dentro de ti e a seres fiel às exigências que nascem do fundo do ser. A exigência fundamental do ser humano é o amor. Sem ser amado podes exercer a tua humanidade; sem amar, não! A nossa obrigação não é só o não oprimir ninguém, mas também não deixar que ninguém nos oprima. Se queremos libertar os outros, primeiro temos nós que ser livres! As férias deveriam ser tempo para a meditação repousada e profunda, sem a qual a nossa trajectória humana não pode manter o bom rumo. Sem uma autocrítica do que somos e do que fazemos não poderemos ter uma existência equilibrada. Sem momentos de encontro consigo mesmo, o Homem fica desorientado e fragmentado, incapaz de manter a sua unidade pessoal. Muitas vezes, o medo a encontrar-mo-nos com o nosso próprio vazio interior impede-nos de buscar esse "lugar tranquilo e afastado" onde podemos recuperar. Preferimos o barulho e a diversão externa que nos dispensa da reflexão. O dedicar-se aos outros e a dedicação ao Outro não são dois aspectos que se possam separar. A contemplação e a acção não podem dissociar-se. Nem uma nem outra seriam autênticas se as separássemos. Toda a aproximação a Deus leva directamente aos outros. Toda a verdadeira aproximação aos outros nos aproxima inevitavelmente de Deus. Se na nossa vida esquecemo-nos de um destes dois aspectos, será sinal que nos estamos equivocando do objectivo e, ainda mais, estamos a afastar-nos do Evangelho.