sexta-feira, 17 de julho de 2009

SILÊNCIO E CALMA PARA IMPULSIONAR A ACÇÃO

1. Para compreender os distintos aspectos do evangelho deste XVI Domingo Comum, temos que ter presente o contexto. Os apóstolos acabam de regressar da missão para a qual Jesus os tinha enviado dois a dois (evangelho do Domingo passado). Entre o envio e o regresso, é-nos narrada o martírio de João Baptista.
2. O retirar-se para um local tranquilo e afastado pode ter dois motivos aparentes: que os discípulos descansem do trabalho ou que, perante o perigo de Herodes, buscassem menor notoriedade e popularidade. Mas estes dois motivos dir-nos-iam muito pouco. Há uma mensagem superior que Marcos nos quer transmitir: os discípulos necessitam de fazer uma séria reflexão sobre o êxito da missão, assim como também o próprio Jesus necessitou de meditar sobre o seu messianismo.
3. Após a missão, os doze voltam a reunir-se e contam as peripécias da tarefa que acaba de terminar. Parece que a missão lhes correu bem e vinham encantados (Lucas, no seu evangelho, o diz expressamente). A euforia das pessoas que os procuram ratifica essa visão. O êxito está a subir-lhes à cabeça e não os deixa tomar a postura adequada.
4. "Vinde, vós, para um lugar tranquilo para descansar um pouco!" O mesmo Jesus que os impulsionou a uma acção desassogada entre as pessoas, os leva agora a um afastamento dessas mesmas pessoas para que se dediquem a eles próprios. Não se trata simplesmente da preocupação pelo seu cansaço. Trata-se, sobretudo, de que percebam bem o sentido do que está sucedendo e não se deixem levar por falsas ilusões. Por duas vezes se diz que vão ao deserto!
5. O texto grego não diz "lugar tranquilo ou despovoado", mas a um lugar deserto. A diferença é importante se tivermos em conta o significado que Marcos dá ao deserto: lugar de luta contra o falso messianismo. Imediatamente depois de ser baptizado, Marcos coloca Jesus no deserto para que ali aclare qual vai ser a sua verdadeira missão, superando a tentação de um messianismo triunfalista. Depois do primeiro êxito na sinagoga de Cafarnaum e da cura da sogra de Pedro, Jesus vai para o deserto orar, a tal ponto que Pedro O encontra e diz, muito enfadado, porque está perdendo a oportunidade de brilhar, de ter fama: "Todo o mundo Te procura!" Jesus pretende que uma reflexão na calma os faça superar o estado de euforia.
6. "Chegaram lá primeiro que eles." Os planos vão ser frustrados por uma urgência maior, a da gente que esperava. Na profunda humanidade manifestada por Jesus neste evangelho, temos que descobrir a sua verdadeira divindade. É de notar que o relato fala agora do grupo: "os reconheceram"; "adiantaram-se-lhes". Ao incoporar os doze à Sua própria missão, o grupo fica estabelecido como uma comunidade de acção. A busca das pessoas reflecte um desejo de salavação que possibilita a tarefa de Jesus. Como a hemorroísa, como Jairo, o povo orpimido descobre a necessidade de salavação e a buscam em Jesus.
7. "Como ovelhas sem pastor". É uma imagem clássica no Antigo Testamento. Numa cultura em que a pastorícia era o principal meio de sustento, todos sabiam perfeitamente o que se estava insinuando com a imagem do pastor. Seguindo a 1ª leitura deste Domingo, Jesus faz uma crítica aos guias/dirigentes que, em vez de cuidar das ovelhas, as utilizam em benefício próprio. Nunca têm faltado pastores, mas têm sido tantas as ofertas e tão persuasivas, que o povo tem-se sentido indefeso perante as ofertas mais disparatadas.
8. "Encheu-se de compaixão por elas." Uma maneira forte e intensa de dizer quão importante era aquela gente para Jesus. A compaixão é a forma mais adequada de expressar o amor. Em todos os tempos podemos constatar que nem os políticos nem mesmo os eclesiásticos têm em conta as pessoas na hora de tomar decisões. O que move sempre os dirigentes é o interesse pessoal disfarçado de uma preocupação pela instituição correspondente.
9. "Pôs-se a ensinar-lhes com calma." Um modo muito subtil de dizer que por cima dos planos de Jesus estão as necessidades das pessoas. Por certo, o texto grego não diz "com calma", mas "muitas coisas". A verdade é que do contexto se deduz que dedicou o dia inteiro a essa tarefa, pois o evangelho de Marcos continua com a narração da multiplicação dos pães, que começa advertindo de que "se faz tarde". Ter tempo para os outros é a melhor maneira de responder às exigências do Evangelho. Jesus mostra-nos essa total disponibilidade. Na verdade, a vocação do cristão é esta: ser para os outros.
10. Cumpre-se a promessa de Jeremias. Jesus é o único pastor. Como diz João, Ele é o modelo de pastor, o único que não nos engana nem se aproveita de nós. Com todos os outros que se apresentem como intermediários há que ter cuidado porque nos podem desviar colocando os seus interesses à frente dos nossos! É uma tentação na qual nós, seres humanos, caímos quase sempre; inclusive, quando falamos de Deus é para manipulá-lo e pô-lo ao nosso serviço. O Deus que temos pregado é um Deus de quem somos representantes. Hoje não estão as ovelhas menos despistadas que no tempo de Jesus! Não faltam pastores, mas cada um as orienta por um caminho diferente. Não sei o que se passaria noutras épocas, mas há uma característica da nossa que é precisamente a desorientação. É urgente descobrir a verdadeira mensagem do Evangelho para poder superar tanta ideologia e legalismo, como se tem vindo a denrolar ao longo do tempo.
11. Quando Paulo diz que derrubou o muro que nos separava, não se refere a uma actuação externa, mas a uma atitude interna de fidelidade a si mesmos, que permite aos seres humanos superar a barreira do ódio. Quando no evangelho Jesus convida os apóstolos a retirar-se para o deserto, está a querer dizer-nos que só no silêncio e no recolhimento interior podemos encontrar o verdadeiro ser, e só depois de sabermos onde está, poderemos indicar aos outros o caminho para encontrá-lo. Sem vida interior, sem meditação profunda não pode haver uma verdadeira vida espiritual. Sem essa vivência não podemos ajudar os outros a descobrir o manancial de água viva que levam dentro. Se encontrássemos Deus em nós, levá-lo aos outros se converteria na tarefa mais urgente da nossa vida! O evangelho deste domingo é um reconhecimento da necessidade do silêncio para recuperar a harmonia interna. O stress de que hoje padecemos deve-se à falta de tempos tranquilos impede-nos de assimilar e ordenar os acontecimentos, que nos podem destroçar como a comida não digerida e, portanto, indigesta. Busca o teu interior e descobre aí o verdadeiro guia! Não mendigues mais água, que te é dada a contagotas e por um preço; busca a fonte que está sempre manando e à tua inteira disposição! As mediações serão boas na medida em que não se convertem em fins ou em meios para que outro se aproveite. Te ajudará todo aquele que te ajude a entrares dentro de ti e a seres fiel às exigências que nascem do fundo do ser. A exigência fundamental do ser humano é o amor. Sem ser amado podes exercer a tua humanidade; sem amar, não! A nossa obrigação não é só o não oprimir ninguém, mas também não deixar que ninguém nos oprima. Se queremos libertar os outros, primeiro temos nós que ser livres! As férias deveriam ser tempo para a meditação repousada e profunda, sem a qual a nossa trajectória humana não pode manter o bom rumo. Sem uma autocrítica do que somos e do que fazemos não poderemos ter uma existência equilibrada. Sem momentos de encontro consigo mesmo, o Homem fica desorientado e fragmentado, incapaz de manter a sua unidade pessoal. Muitas vezes, o medo a encontrar-mo-nos com o nosso próprio vazio interior impede-nos de buscar esse "lugar tranquilo e afastado" onde podemos recuperar. Preferimos o barulho e a diversão externa que nos dispensa da reflexão. O dedicar-se aos outros e a dedicação ao Outro não são dois aspectos que se possam separar. A contemplação e a acção não podem dissociar-se. Nem uma nem outra seriam autênticas se as separássemos. Toda a aproximação a Deus leva directamente aos outros. Toda a verdadeira aproximação aos outros nos aproxima inevitavelmente de Deus. Se na nossa vida esquecemo-nos de um destes dois aspectos, será sinal que nos estamos equivocando do objectivo e, ainda mais, estamos a afastar-nos do Evangelho.

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