terça-feira, 20 de outubro de 2009

ATÉ AO SACERDÓCIO!...

Ao longo deste Ano Sacerdotal, tentaremos penetrar na vida e virtudes de S. João Maria Vianney (Santo Cura d' Ars) para que, através do seu testemunho, sigamos as pegadas de Cristo e “tornando-nos conformes com a Sua imagem, em tudo obedecendo à vontade de Deus, nos votemos com toda a coragem à glória de Deus e ao serviço do próximo”, como nos recorda a Constituição Dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium do II Concílio do Vaticano no número 40. Se fizermos este esforço e empenho, continua a mesma constituição, “a santidade do Povo de Deus dará abundantes frutos, como o demosntra brilhantemente, através da história da Igreja, a vida de tantos santos”. Só nesta dinâmica contínua de santificação pessoal é que terá sentido olharmos para a vida do Santo Cura d'Ars ou de qualquer outro santo; é que terá sentido o Papa desafiar-nos a reflectirmos sobre o sacerdócio comum que todos exercemos desde o dia do nosso Baptismo e sobre o sacerdócio Presbiteral e as implicações que ambos trazem e provocam no e para o nosso mundo.

No mês anterior, olhamos para o patrono dos párocos como o filho que, como é próprio de uma criança, ama e confia somente na Mãe, na da terra e na do céu. No próximo mês de Novembro, desde o dia 8 até ao dia 15, a Igreja convida-nos a olhar para os nossos Seminários através da nossa oração, da nossa partilha material, da nossa reflexão ou até de uma visita a um seminário, sentindo mais de perto esse viveiro no qual Deus vai chamando, suscitando, interpelando, desafiando aqueles que estão em discernimento vocacional. Então, este mês, convido-o a olharmos para o jovem João Maria Vianney como um Sim ao Deus que, por puro e livre Amor, chama para uma missão concreta: santificar-se santificando!

Desde os 20 anos que João Maria, já ávido de atingir a santidade, tinha traçado um plano de penitência e se impusera segui-lo, desejando mortificar-se cada vez mais. Iniciou os estudos de seminarista no presbitério de Ecculy, aqui passava as manhãs e as tardes. Mas tinha muitas dificuldades no que se referia aos estudos, sobretudo na gramática latina, que lhe parecia horrível. Esquecera-se das poucas noções gramaticais que tinha recebido na escola e não era possível empreender o conhecimento da sintaxe latina sem conhecer a sintaxe francesa. Este trabalho parecia-lhe mais duro do que o do campo! Ao chegar a noite, o aluno de 20 anos, à débil luz de uma lamparina, debruçava-se obstinadamente sobre os livros. Depois, numa prece fervorosa, suplicava ao Espírito Santo que lhe gravasse os vocábulos na sua “pobre cabeça”.

Os progressos de João Maria nos estudos foram quase nulos, durante os primeiros meses. Não obstante, estudava com uma tenacidade admirável. A languidez do semblante, devida à parca alimentação, deixava transparecer o enfraquecimento das suas forças. Embora precisasse de alimento para se sustentar, jejuava rigorosamente.

À crise nos estudos veio a juntar-se também uma crise de espírito, levando o jovem João Maria a rever em pensamento o lar e os campos paternos, em cujo cultivo, graças à sua robustez, conseguira êxitos mais fáceis. “Voltarei para casa”, disse com tristeza ao Padre Balley, seu mestre. Com um olhar penetrante, o velho mestre sondou a grande mágoa do querido discípulo. Mas, sabendo que tesouro tinha sido confiado à sua guarda, perguntou-lhe: “Para onde vais, meu pobre filho? Não irás senão aumentar as tuas penas... Bem sabes que teu pai (o pai de João Maria sempre se opôs à sua vocação para o sacerdócio) nada mais deseja do que ter-te a seu lado; e, ao ver-te arrependido e triste nunca mais te deixará voltar. Ah!, então, adeus a todos os teus planos, João Maria! Adeus, sacerdócio! Adeus, almas!...”

O desalento deixou de inquietar o jovem, mas nem por isso a sua memória se tornou menos rebelde. Para comover o céu e obter o auxílio necessário, recorreu explicitamente a um herói. Fez voto de peregrinar a pé, mendigando o pão, tanto à ida como à volta, até ao santuário de Louvesc, e visitar o túmulo de S. Francisco Regis. Era o ano de 1806 durante o Verão. Tinha que percorrer uma boa centena de quilómetros, mas estava resoluto. Pela manhã, após participar na Missa e comungar, partiu levando nas mãos bastão e rosário. Passou inúmeras dificuldades no caminho, mas cumpriu o seu voto. Em Louvesc confessou-se e comungou; estava extenuado, mas feliz. Na confissão foi aconselhado a que, no regresso, desse esmola em vez de pedir. Mais tarde, já sacerdote, recordando-se deste episódio, dizia: “Tive ocasião de experimentar a verdade daquelas palavras da Sagrada Escritura: é melhor do que receber. Nunca aconselharei pessoa alguma a fazer o voto de mendigar”. Depois desta peregrinação, os livros já não lhe causavam tanto pavor e o jovem João Maria começou a encarar o futuro com mais fé.

Durante a Quaresma de 1807, João Maria recebeu o sacramento da Confirmação. Ia completar 21 anos. O jovem Vianney escolheu como patrono da Confirmação o Santo Percursor. Daí em diante começou a assinar indistintamente João Maria Baptista Vianney e João Baptista Maria. Por toda a vida esse segundo padroeiro seria um dos seus santos predilectos!

João Maria Vianney perdera a sua mãe quando dela mais precisava. Ah! Quem o consolaria em tantas tribulações? A primeira confidente da sua vocação, a doce advogada junto do pai irritado, já não exisitia. Entretanto, Mateus Vianney, graças, talvez, às últimas recomendações da moribunda em nada se opôs quanto à continuação dos estudos do seu filho.

No último semestre de 1812, pareceu ao P. Balley que havia chegado o momento de o seu idoso discípulo de 25 anos seguir plano de estudo regulamentar. Exigia-se então dos aspirantes ao sacerdócio um ano de filosofia e dois de teologia. João Maria Vianney foi mandado para o Seminário Maior de Verrièrres, junto a Montbrison. Aquele centro de estudos, fundado em 1803, não era mais do que uma simples escola paroquial como a do P. Balley em Ecully. Era uma casa pobre e simples, que chegou a acolher cerca de 50 alunos. Mas os estudos do jovem João Maria, embora tivessem melhorado um pouco, ainda não surtiam efeitos, continuava a ser um aluno duma fraqueza extrema.

Queria Deus que fosse ele como S. Paulo, um “ignorante da arte de bem dizer”. E se a sua modéstia lhe permitisse falar, haveria de responder aos primeiros da classe, que muitas vezes troçavam das suas respostas aos professores, como o santo poeta italiano, Jacopone de Todi: “Deixo-vos o silogismo, as subtilezas de palavras e os cálculos mais subtis. Deixo-vos a arte, cujo segredo pertence a Aristóteles. Uma inteligência humilde e pura, sozinha, eleva-se à presença de Deus, sem auxílio da Filosofia”.

O nosso seminarista não foi muito feliz em Verrièrres; mal chegou a entender aquela filosofia insípida e fria. Então, nas férias de Verão, o P. Balley, sem perda de tempo, pensou em preparar o seu discípulo para ingressar no Seminário Maior de Lião. Aquelas férias foram, sem dúvida, as melhores – e as últimas – que gozou durante toda a vida.

O Seminário Maior de Santo Ireneu, edificado na praça Croix-Paquet de Lião, depois de ter servido durante a revolução para depósito de armas e hospital militar, voltou no dia 2 de Novembro de 1805 ao seu primitivo destino.

O ano escolar de 1813 a 1814 teve início depois dos tradicionais dias de retiro, pouco antes da festa de Todos os Santos. Um futuro cónego de Belley, P. João Agostinho Pansut, que naquele ano terminava a teologia, mais tarde na sua velhice conservava ainda a lembrança do novato, cuja fisionomia muito o tinha impressionado. Porque, apesar do seu amor ao retiro e ao silêncio, João não podia passar despercebido. Aos 25 anos já tinha o aspecto de um asceta. Diz-nos um testemunho: “O recolhimento, a modéstia, a abnegação de si mesmo, a penitência levada até à maceração, reflectiam-se em todo o seu exterior. Se todos os 250 seminaristas que viviam em Santo Ireneu fossem outros tantos Vianneys, durante os passeios e recreios, aquela casa seria a imagem fiel dum convento de cartuxos.”

Mas o problema do latim subsistia, pois era a língua oficial das aulas e dos exames! Depois de cinco ou seis meses, os professores, julgando-o incapaz de ir mais adiante com os estudos, o aconselharam a que se retirasse. Estava despedido aquele, diante de cujas relíquias, um dia o Sumo Pontífice, prostrado, sob a cúpula de São Pedro Em Roma, as veneraria e as perfumaria de incenso! Foi essa a prova mais dura de toda a sua vida. Mais tarde vê-lo-emos falar com alegria das suas misérias e contratempos. Jamais, pelo menos enquanto se tem lembrança, fez alusão àquela saída do Seminário Maior.

O que fazer dali em diante? Voltaria para o mundo, ele cujo desejo íntimo era dar-se inteiramente a Deus? Lembrou-se então João Maria dum um dos seus companheiros de infância, João Dumond, que, em 27 de Novembro do ano anterior, tinha recebido o hábito de “Irmão” no noviciado de Lião, do Pequeno Colégio. Na alma do pobre seminarista despedido surgiu um novo plano. Trocaria a sua batina por outra de Irmão, com “quatro mangas”. Sem se entender com o P. Balley, nem pedir-lhe conselhos saiu de Santo Ireneu para bater à porta do Pequeno Colégio, situado perto da igreja primacial de Lião. “Não sei bastante latim para ser sacerdote, disse ao seu amigo João Dumond, agora Irmão Geraldo, virei aqui para ser Irmão.” E foi para a casa paroquial de Ecully, por alguns dias, como pensava. O P. Balley, que o recebeu de braços abertos e sobre cujo peito chorou amargamente, ouviu-lhe as confidências. Depois, tomando a palavra, novamente assegurou ao seu protegido que Deus o tinha escolhido para o serviço do altar. “Escreve, acrescentou o P. Balley, escreve ao teu amigo de Lião que não fale nada e que eu quero que continues os teus estudos.”

Entretanto, aproximava-se o tempo das Ordenações, o exame canónico começava em fins de Maio, e o P. Balley aventurou-se a apresentar o seu discípulo. A diocese estava com falta de sacerdotes. O candidato já ia completar 29 anos. Há três anos que tinha recebido a tonsura. Já era tempo de ao menos receber as Ordens Menores, a não ser que de todo se esvaíssem as esperanças. Forma essas as razões que pareceram suficientes para que o tempo não se prolongasse mais.

No exame, ao ouvir as perguntas em latim embaraçou-se e o que respondeu foi de maneira incompleta... O tribunal examinador ficou perplexo. Todos reconheciam o recto juízo natural e o critério do P. Balley. Haveriam de recusar aquele seminarista de tão boa vontade ou ao menos fazê-lo esperar?

Perante esta situação, o P. Balley dirigiu-se, no dia seguinte, a Lião e recolheu pareceres de sacerdotes que se tinham cruzado com o jovem seminarista. Todos eram unânimes em defende-lo como o mais virtuoso dos seminaristas de Lião. O Pe. Courbon, simples e bondoso, decidiu a sorte no nosso jovem seminarista. Limitou-se a perguntar ao P. Balley:

- “Sabe rezar o Rosário?

- Sim. É um modelo de piedade.

- Um modelo de piedade? - pois bem, eu admito-o. A graça de Deus fará o resto.”

Jamais o P. Courbom foi melhor inspirado.

Por meio da humilhação e do sofrimento, o Escultor divino tinha suficientemente modelado e embelezado aquela alma. Tinha chegado a hora da consagração. O jovem Vianney soube, com reconhecimento infinito, que no dia 2 de Julho, festa da Visitação de Nossa Senhora, receberia de uma só vez as Ordens Menores e o Subdiaconado.

Até fins de Maio de 1815, João Maria, admitido ao Diaconado, entrou novamente para o Seminário. Ali, formou no seu interior uma solidão tranquila de que jamais saiu um só instante. A 23 de Junho, véspera da festa do seu santo protector (S. João Baptista), foi ordenado diácono na igreja primacial de Lião.

Logo depois do diaconado tratou-se de admiti-lo à ordenação sacerdotal. Foi novamente submetido ao exame canónico em Ecully, na presença do Vigário Geral, sobre os pontos mais difíceis da teologia moral, às quais o jovem diácono soube responder com clareza e precisão.

Aos 29 anos, depois de tantas incertezas, de tantos fracassos e de tantas lágrimas, João Maria Vianney via abertas as portas do santuário. Enfim, subia ao altar do Senhor. Desde aquele momento da sua ordenação considerava-se, de corpo e alma, como um vaso sagrado, exclusivamente destinado para o divino ministério. Mais tarde, nas suas catequeses, afirmava: “Oh, o Padre tem alguma coisa de grande! Não se compreenderá bem o sacerdócio senão no céu. Se o compreendêssemos na terra, morreríamos não de espanto, mas de amor!”

No tempo da meninice, quando vivia com a sua santa mãe, tinha dito, um dia, entre suspiros: “Se eu fosse sacerdote, queria salvar muitas almas.” As almas já o aguardavam!


Arnaldo Vareiro

sábado, 10 de outubro de 2009

UMA COISA NOS FALTA (Mc 10, 17-30)

O episódio do evangelho deste Domingo está narrado com uma intensidade especial. Jesus vai para Jerusalém, mas antes de lá chegar, no caminho, um desconhecido corre até Ele e "cai de joelhos" a Seus pés. Necessita urgentemente de Jesus.
Não é um enfermo que pede cura. Não é um leproso que implora compaixão. A sua petição é de outra ordem. O que ele busca naquele mestre bom é luz para orientar a sua vida: "Que hei-de fazer para herdar a vida eterna?". Não é uma questão teórica, mas existencial. Não fala em geral; quer saber o que tem ele de fazer pessoalmente.
Em primeiro lugar, Jesus recorda-lhe que "não há ninguém bom a não ser Deus".  Antes de planearmos o que há que "fazer", temos de saber que vivemos diante um Deus bom: na Sua bondade insondável temos de apoiar a nossa vida. Por isso, lhe recorda "os mandamentos" desse Deus bom. Segundo a tradição bíblica, esse é o caminho para a vida eterna. 
A resposta do homem é admirável. Tudo isso tem cumprido desde pequeno, mas sente dentro de si uma aspiração mais funda. Busca algo mais. "Jesus olha-o com carinho." O seu olhar expressa já a relação pessoal e intensa que quer estabelecer com ele.
Jesus entende muito bem a sua insatisfação: "Uma coisa te falta." Segundo essa lógica do"fazer" o que está mandado para possuir a "vida eterna", não se sente plenamente satisfeito. No ser humano há uma aspiração mais profunda.
Por isso, Jesus convida-o a orientar a sua vida a partir de uma lógica nova. O primeiro é não viver agarrado às suas posses ("vende o que tens"). O segundo é ajudar os pobres ("dá-lhes o teu dinheiro"). Por último, "vem e segue-Me". Os dois poderão percorrer juntos o caminho até ao Reino de Deus.
O homem levanta-se e afasta-se de Jesus. Despreza o Seu olhar carinhoso e vai-se embora triste. Sabe que nunca poderá conhecer a alegria e a liberdade daqueles que seguem Jesus. Marcos diz-nos que era "muito rico".
Não é esta a nossa experiência de cristãos satisfeitos nos países ricos? Não vivemos atrapalhados pelo bem-estar material? Não falta à nossa religião o amor prático aos pobres? Não nos falta a alegria e a liberdade dos seguidores de Jesus?

Arnaldo Vareiro   

terça-feira, 6 de outubro de 2009

NO COLO DA MÃE

João Maria Vianney veio ao mundo por volta da meia-noite a 8 de Maio de 1786, sendo baptizado neste mesmo dia. Era o quarto de seis irmãos com que Deus tinha abençoado a união de Mateus Vianney e Maria Beluse, casal de uma fé operante e esclarecida. Nas coisas de piedade foi um menino precoce, pois já com 18 meses, quando a família se reunia para a oração da noite, ajoelhava-se por sua própria inicativa entre os demais, juntando as mãozinhas com devoção. A sua mãe desde muito cedo falava-lhe no Menino Jesus, na Santíssima Virgem e no Anjo da Guarda, o que João ia guardando no coração, o qual Deus ia ornando com as suas graças! À medida que crescia em estatura ia crescendo nele também o desejo de saber mais sobre os mistérios de Jesus, ouvindo a mãe a contar a História Sagrada.

O pequeno João era muito alegre e brincalhão quando ia com o pai e os seus irmãos para o campo montados num burrico; era ele quem animava os jogos. Era um rapazinho de olhos azuis, cabelo escuro, tez morena e olhar vivo. Não era, ao que contrariamente se diz, uma criança singular, mas tinha um carácter muito vincado, chegando a ser muitas vezes de temperamento nervoso. Mas, desde cedo, o pequenito foi fazendo um esforço para adquirir a perfeita doçura; bem adivinhava que era esse o caminho que conduzia à santidade!

Desde pequeno nutria um forte e intenso amor às duas mães: à da terra e à do céu! João Maria possuía um lindo rosário, que tinha em grande estima. Gothon, uma das suas irmãs mais novas, achou-o também do seu agrado. Naturalmente qui-lo logo para si. Deu-se uma cena violenta entre irmão e irmã: gritos, empurrões e ameaças de pugilato. O pobre menino, todo amargurado, correu para junto da mãe. “Meu filho, dá o teu rosário à Gothon, - disse-lhe ela com voz branda, mas firme… sim, dá-lho por amor de Deus”. Imediatamente João Maria, soluçando, entregou o rosário, que assim mudou de dono. Para uma criança de quatro anos era um belo sacrifício! A fim de lhe enxugar as lágrimas, a mãe, em vez de carícias e mimos, deu-lhe uma pequena imagem de madeira que representava a Virgem Santíssima. Aquela tosca imagem tinha-a contemplado, muitas vezes, sobre a estufa na cozinha, desejoso de a possuir.

Agora era dele, toda dele! “Oh! Quanto eu amava aquela imagem – dir-nos-á 70 anos mais tarde. Não podia separar-me dela, nem de dia, nem de noite e não dormia tranquilo, sem tê-la na cama a meu lado… A Santíssima Virgem é a minha mais antiga afeição; amei-a mesmo antes de a conhecer”.

Ajoelhava-se com fervor ao toque do Angelus. Às vezes retirava-se para um canto, punha sobre uma cadeira a sua querida imagem e orava diante dela com grande recolhimento. A cada hora que soava persignava-se e rezava uma Avé-Maria.

Embora fosse privilegiado da graça divina, João Maria não deixava de fazer as suas traquinices. Uma tarde, quando contava uns 4 anos, João Maria saiu sem dizer nada a ninguém. A mãe deu pela falta. Chamou-o. Escutou. Nem resposta. Procurou ansiosa, no pátio, atrás dos montes de lenha e de feno. O menino não aparecia. Ele que sempre respondia à primeira chamada!

Enquanto se dirigia ao estábulo, onde se poderia ter escondido, a mãe pensava no poço escuro e profundo em que bebiam os animais.

Mas a quem haveria de descobrir num canto escuro, ajoelhado entre dois animais que ruminavam pachorrentamente? O inocente, que rezava com fervor, de mãos postas, diante da imagem da Virgem. Maria Vianney tomou-o nos braços e apertou-o ao coração. “Oh! Meu filho, tu estavas aqui – disse-lhe ela com voz trémula pelo pranto. Porque te escondeste para rezar? Tu bem sabes que nós rezamos juntos.”

O menino não via outra coisa senão a mágoa causada à mãe. “Perdão, mamã, eu não sabia… não farei mais! – gemia ele abandonando-se nos braços maternos.

Estamos no Mês de Outubro, mês dedicado tradicionalmente à Mãe do Rosário, à Mãe que quer que os seus filhos lhe ofereçam flores através da oração do rosário, revivendo os mistérios do Seu Filho Jesus. Como devemos imitar o pequenito João Maria neste amor e entrega total no colo da Mãe! Ela busca-nos sempre quando nos afastamos para rezar sozinhos, isto é, quando nos fechamos nas nossas angústias, nas situações menos risonhas da vida e pensamos que temos soluções mágicas para tudo; Ela vem-nos buscar quando estamos junto do “poço” da tristeza, do desespero, da infelicidade, da doença, pega-nos ao colo, afaga o nosso rosto, aperta-nos ao coração e coloca-nos de novo no Seu regaço para, nele, sentirmos a ternura e o amor de Deus. É a Mãe que nos ensina a aproximarmo-nos de Deus e a encontrá-Lo!

Mais tarde, quando felicitavam o Cura d’Ars por ter adquirido tão cedo o gosto pela oração e pelo altar, respondia com emoção e lágrimas: “Depois de Deus, devo à minha mãe. Era tão boa! A virtude passa facilmente do coração das mães para o coração dos filhos… Jamais um filho que teve a dita de ter uma boa mãe deveria vê-la, ou pensar nela sem chorar”.

S. João Maria Vianney propõe-nos, neste Ano Sacerdotal e neste Mês de Rosário, a estar mais perto do coração da Mãe para que Ela encha o nosso pobre coração das Suas virtudes, especialmente a da docilidade à Palavra de Deus que vem continuamente ao nosso encontro! Caminha connosco, Mãe!


Arnaldo Vareiro


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

ACOLHER OS PEQUENINOS (Mc 10, 2-16)

O episódio parece insignificante. Contudo, encerra uma mensagem de grande importância para os seguidores de Jesus. Segundo o relato de Marcos, algumas pessoas levam a Jesus crianças que brincam por ali. A única coisa que procuram é que aquele homem de Deus as possa tocar para comunicar-lhes alguma da sua força e da sua vida. À primeira vista, era uma crença popular.
Os discípulos não gostam desta atitude e tentam impedir. Pretendem levantar um muro à volta de Jesus. Atribuem a si mesmos o poder de decidir quem pode ou não chegar a Jesus. Interpõem-se entre Jesus e os mais pequenos, frágeis e necessitados daquela sociedade. Em vez de facilitarem o acesso a Jesus, obstaculizam-no! 
Já se tinham esquecido do gesto de Jesus que, uns dias antes, tinha colocado no centro do grupo uma criança para que aprendessem bem que são os mais pequenos os que têm de ser o centro de atenção e cuidado dos Seus discípulos. Tinham-se já esquecido de como a tinha abraçado diante de todos, convidando-os a acolher os pequeninos em Seu nome e com o mesmo carinho.
Jesus indigna-se. Aquele comportamento dos Seus discípulos é intolerável. Enfadado, dá-lhes duas ordens: "Deixai vir a Mim as criancinhas. Não as impeçais." Quem lhes tinha ensinado a actuar de uma maneira tão contrária ao Seu Espírito? São, precisamente, os pequenos, débeis e indefesos, os primeiros que têm de ter aberto o acesso a Jesus. 
A razão é muito profunda pois obedece aos desígnios do Pai: "Dos que são como eles é o reino de Deus". No reino de Deus e no grupo de Jesus, os que molestam não são os pequenos, mas os grandes e poderosos, os que querem dominar e ser os primeiros.
O centro da sua comunidade não terá de estar ocupado por pessoas fortes e poderosas que se impõem aos outros a partir de cima. Na Sua comunidade necessita-se de homens e mulheres que procuram o último lugar para acolher, servir, abraçar e bendizer os mais débeis e necessitados.
O reino de Deus não se difunde a partir da imposição dos grandes mas desde o acolhimento e defesa dos pequeninos. Onde estes se convertem no centro da atenção e cuidado, aí está a chegar o reino de Deus, a sociedade humana que o Pai quer!

Arnaldo Vareiro