sábado, 13 de março de 2010

Capítulo I da Dei Verbum - A REVELAÇÃO EM SI MESMA

(Natureza e objecto da Revelação)


2. Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a Si mesmo e tornar conhecido o mistério da sua vontade, por meio do qual os homens, através de Cristo, Verbo Incarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e n' Ele se tornam participantes da natureza divina. Por consequência, em virtude desta revelação, Deus invisível, na abundância do seu amor, fala aos homens como a amigos e dialoga com eles, para os convidar à comunhão com Ele e nela os receber.

Este plano “da revelação” concretiza-se por meio de palavras e acções intimamente ligadas entre si, de tal modo que as obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifestam e confirmam a doutrina e as realidades significadas pelas palavras. As palavras, porém, proclamam as obras e esclarecem o mistério nelas contido. Todavia, o conteúdo profundo da verdade tanto a respeito de Deus como da salvação dos homens, manifesta-se-nos por esta revelação na pessoa de Cristo, que é simultaneamente o mediador e a plenitude de toda a revelação.


A revelação aqui descrita é a revelação na sua fase activa e constituinte, que se concretiza pelas vias da história e da encarnação. Ela é um efeito do beneplácito de Deus: placuit (cf Ef 1, 9-10). É graça. É livre iniciativa de Deus. É obra de amor, que procede da bondade e da sabedoria de Deus. Reparemos que a bondade de Deus é colocada, pelo texto, em primeiro plano.

O Concílio personaliza a noção de revelação: antes de dar a conhecer algo, isto é, o desígnio de salvação, o próprio Deus se revela. Veja-se como o mistério Paulino evoca este desígnio salvífico. O mistério é o plano divino total; o mistério é Cristo.

Em que consiste o plano salvífico acerca da humanidade? O desígnio de Deus consiste em que os homens, por Cristo, Verbo encarnado, tenham acesso ao Pai (Ef 2, 18) no Espírito e se tornem participantes da natureza divina (2 Pe 1, 4). Este desígnio, expresso em termos de relações interpessoais, inclui os três principais mistérios do cristianismo: a Trindade, a encarnação e a graça.

Depois de afirmar o plano e o objecto da revelação, o concílio precisa a sua natureza. Deus, na superabundância do seu amor, sai do seu mistério. Deus rompe o silêncio: dirige-se ao homem, interpela-o e inicia com ele um diálogo de amizade, como fez com Moisés (Ex 33, 11) e com os apóstolos (Jo 15, 14-15).

Deus conversa com os homens para convidá-los à comunhão consigo e para recebê-los na sua companhia (Baruc 3, 38). Pela encarnação, Deus entra na existência humana, vive com os homens. Jesus Cristo é a sabedoria de Deus que baixou à terra e relacionou-se com os homens, falou-lhes.

Deus falou à humanidade pela palavra. O nosso Deus é o Deus da palavra: fala a Abraão, a Moisés, aos profetas, por meio deles, ao povo. Por Cristo, Deus fala aos apóstolos e nos fala, porque nele nos fala o Filho em pessoa. É uma palavra de amizade: procede do amor, cresce na amizade e realiza uma obra de amor. Deus entra em comunicação com o homem, sua criatura, para estreitar com ele laços de amizade e para associá-lo à sua vida íntima. A revelação quer introduzir o homem na sociedade de amor que é a Trindade.

O homem pode comunicar-se com outro homem de múltiplas formas (gestos, acções, palavras, imagens... Assim também Deus pode comunicar-se com o homem. A revelação revela-nos a forma adoptada por Deus para falar à humanidade. Deus põe-se em comunicação com o homem pelas vias da encarnação e da história.

O concílio afirma que a revelação realiza-se mediante a conexão íntima de gestos e palavras. Pela palavra temos de entender as acções salvíficas de Deus: umas realizadas directamente por Deus, outras pelos profetas, seus instrumentos. No AT: o êxodo, a formação do reino, o desterro, a restauração; no NT: as acções da vida de Cristo, especialmente os seus milagres, a sua morte e ressurreição. Palavras são as palavras de Moisés e dos profetas que interpretam as intervenções de Deus na história; são as palavras de Cristo que declaram o sentido das suas acções; são as palavras dos apóstolos, testemunhas e intérpretes autorizados da vida de Cristo. As obras e palavras estão em estreita dependência e para serviço mútuo. O Deus que se revela é um Deus que entre na história e nela se revela como pessoa que opera a salvação do seu povo > libertação. Estas obras corroboram, isto é, apoiam, confirmam, atestam a doutrina e a realidade profunda, misteriosa, escondida nas obras e significada nas palavras. As palavras proclamam as obras e esclarecem o mistério contido nelas. Vejamos o que se passa no Êxodo: sem a palavra de Moisés que, em nome de Deus, interpreta para Israel esta saída como libertação tendo em vista uma aliança, o acontecimento não estaria carregado de plenitude de sentido que constitui o fundamento da religião de Israel. Os acontecimentos estão cheios de inteligibilidade religiosa e as palavras têm a missão de proclamá-la e esclarecê-la.

Ao insistir nas obras e nas palavras como elementos constittutivos da revelação, o concílio quer sublinhar o carácter histórico e sacramental da revelação: os acontecimentos iluminados pela palavra dos profetas, de Cristo e dos apóstolos. O carácter histórico da revelação aparece na acção mesma de Deus que sai do seu mistério e entra na história. O carácter sacramental da revelação aparece na compenetração e ajuda mútua de palavras e obras. Deus realiza o acontecimento de salvação e explica o seu significado. Opera e comenta a sua acção.


Por esta revelação nos manifesta, em Cristo, a verdade profunda acerca de Deus e do homem. Cristo diz-nos quem é Deus: o Pai que nos criou e nos ama como filhos; manifesta-nos também o Filho e palavra, que nos chama e convida a uma comunhão de vida com a Trindade, e o Espírito, que vivifica e santifica. Em Cristo, se nos revela também a verdade acerca do homem, isto é, que foi chamado e escolhido por Deus desde antes a criação do mundo para ser, em Cristo, filho adoptivo do Pai.

Cristo é o mediador e a plenitude da revelação. É a via escolhida por Deus para dar-nos a conhecer quem é Ele (Pai, Filho e o Espírito) e o que somos nós (pecadores chamados à vida). Cristo é a plenitude da revelação, isto é, é o Deus que revela e o Deus revelado, o autor e o objecto da revelação, o que revela o mistério e o mistério mesmo em pessoa (Jo 14, 6; 2 Cor 4, 4-6; Ef 1, 3-14; Col 1, 26-27). É em pessoa a verdade que anuncia e fala. Esta verdade que nele resplandece pede a adesão do nosso espírito: quer invadir a nossa vida para transformá-la e transformar-mo-nos em Cristo; tende, pela união com Cristo, à comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito.

(Preparação da revelação evangélica)


3. Deus, criando e conservando todas as coisas pelo Verbo, oferece aos homens um testemunho perene de Si mesmo na obra da criação e, decidindo abrir o caminho da salvação sobrenatural, manifestou-se pessoalmente, desde o princípio, aos nossos primeiros pais. Porém, depois da sua queda, tendo-lhes prometido a redenção, deu-lhes a esperança da salvação e cuidou continuamente do género humano, a fim de dar a vida eterna a todos aqueles que, pela perseverança na prática das boas obras, procuram a salvação. A seu tempo chamou Abraão, para fazer dele um grande povo, povo esse que, depois dos Patriarcas ensinou por meio de Moisés e dos Profetas, para que o reconhecessem como único Deus, vivo e verdadeiro, Pai providente e justo juiz, e para que esperassem o Salvador prometido. Desta forma, preparou Deus, através dos séculos, o caminho do Evangelho.


A primeira manifestação de Deus deu-se na Criação. Deus revelou-se a nossos primeiros pais pela revelação histórica e pessoal.

Etapas da revelação veterotestamentária: promessa aos nossos primeiros pais; vocação de Abraão; instrução do povo eleito por Moisés e pelos profetas.

Depois da queda dos nossos primeiros pais (pecado original), Deus levantou-os pela promessa da redenção. Com a promessa começa a história da salvação, na qual todos são incluídos, ninguém fica excluído. O Povo de Israel é o depositário desta promessa.

Deus chama Abraão para o fazer pai de um grande povo, que é instruído através de Moisés e dos profetas. Deus forma o Seu povo para que reconheça n' Ele o Deus vivo e verdadeiro, o Pai que cuida dos seus filhos e para que espere o salvador prometido.

O texto do Concílio apresenta-nos a revelação como sábia pedagogia que forma e prepara o povo.

Arnaldo Vareiro

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