quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Ensina-nos o segredo, Ir. Fernanda!

Quando alguém escreve está a “defender a solidão em que está” (María Zambrano); é uma acção que brota somente de um isolamento afectivo, mas de um isolamento comunicável. Escrever é o contrário de falar; fala-se por necessidade momentânea imediata, fazêmo-nos prisioneiros do que pronunciámos, enquanto que no escrever se acha libertação e perdurabilidade. As grandes verdades não costumam dizer-se a falar. A verdade do que se passa no secreto seio do tempo é o silêncio das vidas, e que não pode dizer-se! A vida, a nossa vida, não se diz, escreve-se! A morte, essa sim, diz a vida; desvela o segredo da vida!

Faz hoje, 5 de Janeiro, um ano que a morte desvendou-me e contou-me um segredo: a vida da Ir. Maria Fernanda Sousa Fernandes! É impossível reduzi-lo a este espaço, mas não o poderei calar jamais porque algo me compele e a ordem que me é dada vem de fora. E o segredo tem duas faces: uma vida da música do coração e uma vida com o Amor no coração.

Grande era a paixão da Ir. Fernanda pela música, que lhe brotava com leveza do seu simples e grande coração, esse “espaço vital”, que vibra com os acordes doces da alegria, da bondade, da ternura, da simplicidade, da amizade. Todos eles compuseram essa sinfonia que durante 37 anos ressoou no coração daqueles que privaram com a Ir. Fernanda: a família, os amigos, os seus alunos, os membros da Obra do Amor Divino e tantos que com ela se cruzaram. Ela sabia que “o coração é a víscera mais nobre porque leva consigo a imagem de um espaço, de um dentro obscuro secreto e misterioso que, em algumas ocasiões se abre” (María Zambrano). Este abrir-se é a sua maior nobreza, é o sinal da mais pura generosidade; torna-se activo, torna-se interioridade aberta, que arrasta todo o ser para esta dinâmica de pura vibração, de vida. Vida é esta incapacidade de um órgão desligar-se de outro, um elemento de outro.

O coração da Ir. Fernanda continua vivo porque passivo e dependente do Amor de Deus. Aos 34 anos de vida, ela quis, na Obra do Amor Divino, que o seu profundo fosse um espaço diferente, um espaço criado pela acção de algo não feito para estar no espaço e que o cria para que alguém que vive no espaço e anda por ele possa contactá-lo. O profundo é uma chamada amorosa. O coração é esse trabalhador constante do “conhece-te a ti mesmo” (Sócrates) diante do Deus Amor.

Foi no dia 6 de Agosto de 2007, Festa da Transfiguração do Senhor, que a Ir. Fernanda quis montar a “sua tenda” com Cristo, sabendo que a Glória pedia o caminho da cruz. Os últimos dias da sua vida foi um autêntico caminho de dor, mas uma dor co-redentora porque unida à paixão de Cristo. Que belo segredo nos contou a vida, sobretudo da doença, da Ir. Fernanda: transportar a dor com sentido e no Sentido! Como encarnou e enraizou no seu coração a espiritualidade da Obra do Amor Divino: oferecer-se continuamente no altar da vida quotidiana, amando a Deus e os irmãos!

Trazia de tal modo Deus no coração, que “estou de que nem a morte... a separou do amor de Deus (Rom, 38-39). Deus a acompanhou na morte, notada pela serenidade e total passividade n'Ele que no seu rosto transparecia. “Senhor, nas tuas mãos entrego a minha vida, o meu ser, a minha pessoa.” Foi com esta confiança que a Ir. Fernanda atravessou esta última porta e foi acolhida pelo Deus amor, criador amoroso. Deus fechou por ela a porta da vida terrena e da morte ao abrir os seus braços para acolher o seu ser para a ressurreição, para a comunhão dos bem-aventurados, porque a sua vida foi uma permanente configuração ao amor de Deus.

Hoje, às 17 horas, na igreja paroquial de Travassos (Póvoa de Lanhoso) nos reuniremos como assembleia de irmãos que creem no Deus que salva por amor para Lhe darmos graças por nos ter contado este terno e belo segredo que foi a tua vida, que foste tu!

Um dia nos encontraremos contigo e, em Cristo, viveremos a grande festa da Ressurreição; até lá, ensina-nos a fazer da nossa vida uma suave melodia para Deus e para os irmãos!


Arnaldo Vareiro

(Publicado no jornal "Diário do Minho" em 5.1.2010)

2 comentários:

  1. meninha-obra do amor divino14 de janeiro de 2010 às 15:56

    A irmã Fernanda precisando de descansar.apanhou-nos a dormire entrou,sorrateiramente no n/ peito,escolhedo o n/ corção para lá ficar para sempre e continuarmos a amar com ela e por ela.Um abraçoMeninha

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  2. Muito obrigado por este texto de homenagem á minha Madrinha.

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